Este trabalho busca refletir sobre algumas nuances, entre tantas existentes, que cercam o
encarceramento feminino no Brasil a partir de pesquisa de campo realizada junto a uma
instituição prisional localizada no Estado de Mato Grosso do Sul. A pesquisa tomou como
foco inicial dados oficiais sobre encarceramento feminino no Brasil e também em Mato
Grosso do Sul, por meio dos quais foram problematizados os atuais mecanismos de
encarceramento em massa no país. Além disso, por meio de um trabalho de campo junto à
instituição, buscou-se pensar acerca das relações de poder existentes e suas incidências sobre
aquelas que são consideradas alvos do regime disciplinar: “as meninas” presas. A busca pela
produção da mulher “ressocializada” nos moldes desejados pela política prisional oportunizou
perceber a instituição-prisão como uma via de mão dupla: enquanto espaço de produção de
corpos disciplinados, mas também, e ao mesmo tempo (ouso dizer até: para além disso),
enquanto espaço de produção de redes, afetos, resistências e agenciamentos. Assim, suas
relações transbordam os muros e as disciplinas e reafirmam seus enlaces com aqueles que
estão extramuros e seus engajamentos com outras formas de constituição de si. Sem ignorar a
importância dos dados estatísticos, esta etnografia procurou ultrapassar fronteiras ao lançar
um olhar sobre sujeitos de “carne, osso e sangue”, que não se conformam nem se resumem às
polícias/políticas de massificação. Ao percorrer os diferentes espaços da instituição, intentouse o contato com um feminino que não é abarcado pelo olhar/discurso institucional. Afinal,
que mulheres genéricas são essas das estatísticas? As falas das “meninas” encarceradas e de
algumas das agentes públicas da instituição apontam para a possibilidade de outras questões e
outras análises. Utilizando-me, pois, da perspectiva antropológica e ancorado em reflexões
foucaultianas, preocupando-me com a noção de discurso enquanto prática, sem perder de vista
a capacidade de resistência e agenciamento dos sujeitos, espero ter contribuído para pensar
que, se as prisões são espaços onde as pessoas, por relações de poder e de exclusão,
produzem-se e são produzidas, seja, por exemplo, a partir do trabalho prisional, das galerias
onde se vive na prisão, das visitas de familiares, da atuação dos profissionais e de atores no
cotidiano da prisão, também e ao mesmo tempo esse espaço é um lugar onde se constituem
práticas e discursos dissidentes.