À luz do pensamento de Wittgenstein pós Tractatus, a pesquisa criticará alguns aspectos das
implicações da concepção construtivista no ensino da alfabetização, questionando a
interpretação proposta pelo modelo explicativo de aprendizagem da escrita e da leitura,
presente, especialmente, na obra psicogênese da língua escrita de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky. Esta teoria constituiu-se, sobretudo, valendo-se de bases conceituais da
epistemologia genética de Jean Piaget, bem como da perspectiva da Psicolinguística, oriunda
da teoria da “gramática gerativa”, elaborada por Noam Chomsky. Ainda, para a teoria da
psicogênese da língua escrita, a criança é considerada um sujeito que aprende através de suas
próprias ações sobre os objetos do mundo, e, por isso, constrói as categorias de seu
conhecimento, elaborando, por si própria, hipóteses. Estas hipóteses seriam postuladas ao
longo de níveis de desenvolvimento de representação da escrita e teriam lugar no período que
antecede a aprendizagem formal do sistema de base alfabética, sendo reelaboradas em cada
fase apresentada pelas crianças até que as mesmas adquirissem o conhecimento normativo
deste sistema. Tendo em vista questionar a naturalização dos processos de aprendizagem da
escrita, aplicaremos a terapia filosófica, inspirados pela segunda fase do pensamento de
Wittgenstein, buscando analisar, criticamente, as implicações de concepção teórica empirista e,
sobretudo, mentalista da aprendizagem, ainda dominantes e privilegiadas nos documentos de
políticas educacionais voltados aos alfabetizadores. Nesse sentido, relativizaremos imagens
dogmáticas, presentes no pensamento de muitos alfabetizadores, que naturalizam os processos
de aprendizagem dos alunos ao se ancorarem na crença de que, mediante ao contato com os
conhecimentos socialmente transmitidos, as crianças construiriam hipóteses, que pressupõem
um suposto padrão evolutivo, desenvolvidas a partir da ação de conflitos cognitivos que
reelaborariam as fases anteriores. Em contraposição a essa concepção psicogenética na
alfabetização, argumentamos que a aprendizagem do sistema de escrita é uma atividade
complexa, envolvendo tanto o domínio dos sistemas convencionais alfabético e ortográfico,
como o uso efetivo da língua escrita em práticas sociais de letramento, em contextos
diversificados, independentemente de eventuais processos psicológicos. Alfabetizar, com base
nesses pressupostos, caracteriza-se por uma atividade de ensino que, envolvendo os diferentes
jogos de linguagem para ensinar técnicas subjacentes às regras de uso do sistema da escrita,
possibilita aos alunos identificar e reconhecer grafemas, fonemas, sílabas, palavras e, desse
modo, a ler e a escrever. Com base nesta perspectiva, acreditamos que o processo de iniciação
de uma criança na atividade da alfabetização é exatamente o que Wittgenstein entenderia por
treinamento, ou seja, a ideia de inserir a criança, gradativamente, nas práticas de uso, da
língua escrita, governadas pelo seguimento de regras convencionais. Assim, para participar
com autonomia da multiplicidade de práticas sociais que envolvem a escrita e a leitura, é
preciso a aprender, de modo explícito, a aplicar as regras de uso do sistema de escrita,
compartilhadas dentro de uma forma de vida.