Há evidências crescentes sobre a importância dos mamíferos aquáticos para os ecossistemas e sobre as consequências das atividades humanas. As alterações no ecossistema causadas pelas atividades humanas geram impactos à biodiversidade e inúmeras consequências, incluindo o aumento da suscetibilidade a patógenos e doenças emergentes. Entre as doenças infecciosas emergentes, a morbilivirose de cetáceos, a toxoplasmose e a brucelose, representam, de fato, um potencial risco para a conservação e preservação dos cetáceos. Essas doenças podem desencadear mortalidade massiva, restringir o crescimento de indivíduos, aumentar o risco de extinção e provocar perda da biodiversidade. Ademais, a frequente detecção de novas cepas virais de morbillivírus de cetáceos (CeMV) aumenta a preocupação com a preservação de cetáceos em todo o mundo. Portanto, o objetivo do presente estudo foi verificar a prevalência e os achados patológicos associados ao CeMV e outros patógenos em cetáceos encalhados no litoral do Estado do Paraná sob condições naturais e a possível relação com impactos antrópicos e naturais. O estudo foi realizado no litoral do Paraná e no Complexo Estuarino de Paranaguá compreendendo uma área total de 618 km2. A base de dados do Programa de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos foi consultada para verificar os registros de todos os cetáceos encalhados entre fevereiro, 2016 a novembro, 2018, de onde todas as amostras foram obtidas. Como critério de inclusão, apenas animais em boa ou moderada condição de preservação post-mortem e com amostras suficientes para análise molecular, histopatológica e imuno-histoquímica (IHQ) foram avaliados. Amostras de pulmão, sistema nervoso central (SNC) e linfonodos foram imersas em solução de formalina tamponada a 10% e rotineiramente processadas para avaliação histopatológica e imuno-histoquímica anti-CDV e anti-Toxoplasma gondii. Um anticorpo monoclonal anti-CDV foi utilizado para a pesquisa de CeMV devido a reação cruzada entre diferentes cepas de morbillivírus demonstradas por estudos sorológicos. Amostras de pulmão e SNC foram congeladas a -20º para posterior transcrição reversa e reação em cadeia da polimerase (RT-PCR). Do total de 325 registros de cetáceos autopsiados, 40 animais apresentaram todos os critérios de inclusão. A espécie mais comumente observada foi o boto-cinza (Sotalia guianensis, 30/40; 75%) e a interação antrópica mais frequente foi a interação com a pesca (21/40; 52,5%). Na histopatologia, foi observado infiltrado inflamatório linfoplasmocitário peribronquial ou peribronquiolar e encefalite discreta com manguitos de até duas camadas foram os principais achados patológicos associados à infecção por CeMV. A sobreposição de lesões típicas de CeMV por agentes secundários, como o nematoide Halocercus brasiliensis, foi observada em cinco (12,5%) animais. Na avaliação imuno-histoquímica, foi observada a prevalência de antígenos de CeMV em 11 (11/40; 27,5%) animais. A maioria dos animais apresentaram imunomarcação intracitoplasmática apenas no pulmão e um animal apresentou imunorreatividade em todos os órgãos avaliados. Todas as amostras foram negativas para CeMV na análise molecular usando a RT-PCR. A negatividade da análise molecular é multifatorial e provavelmente incluem-se (i) distribuição heterogênea do vírus nos órgãos, (ii) degradação do RNA devido à baixa preservação do tecido frequentemente observada em animais encalhados, ou degradação do RNA nas amostras por RNases e/ou mudanças térmicas, (iii) baixa carga viral, (iv) alvos diferentes na IHQ e na RT-PCR. Em conclusão, o diagnóstico de CeMV é desafiador em áreas em que episódios epidêmicos não foram registrados ainda e devido às alterações post-mortem. Entretanto, observamos uma prevalência de 27,5% de CeMV com predominância de alterações pulmonares associadas por meio de uma combinação de análise histopatológica e imuno-histoquímica. Esse vírus pode desempenhar um papel importante no encalhe de cetáceos, assim como, agir como um agente imunossupressor causando e/ou facilitando infecções secundárias. Os resultados aqui descritos ampliam o conhecimento sobre CeMV na nossa região e este é o primeiro estudo realizado sob condições naturais no Brasil.