A formação dos trabalhadores do campo proposta pelo Estado brasileiro, até os
anos 1980, vinculou-se, predominantemente, aos interesses das oligarquias
agrárias. A Educação Rural ou ruralismo pedagógico, como ficou conhecida,
objetivava a adaptação psicofísica (GRAMSCI, 2001) dos trabalhadores ao modo de
produção. Com a crescente organização dos movimentos sociais populares,
consolidou-se nos anos 1990 uma nova perspectiva de formação dos trabalhadores
do campo, a Educação do Campo (CALDART, 2009). Articulada a um novo projeto
de desenvolvimento da sociedade, a Educação do Campo configurou uma
concepção de formação que visa romper com os processos de adaptação
psicofísica, pois, se articula aos interesses dos trabalhadores na perspectiva da
emancipação humana (MARX, 2009). Desde o início dos anos 2000, com a
consolidação do projeto neodesenvolvimentista, o Estado brasileiro tem
contemplado demandas dos movimentos sociais populares do campo em suas
políticas educacionais. Com o objetivo de avaliar esse processo, investigamos a
proposta de formação dos trabalhadores apresentada pelo Estado brasileiro nos
documentos de suas políticas de Educação do Campo do período
neodesenvolvimentista (2001-2016). Com base na perspectiva teórico-metodológica
do Materialismo Histórico Dialético (PALUDO; VITÓRIA, 2014), realizamos a análise
documental do conjunto de documentos oficiais referentes à política de Educação do
Campo (2001-2016) e dos principais programas de desenvolvimento voltados ao
campo nesse período, além da revisão bibliográfica e da investigação de dados
estatísticos sobre a questão agrária brasileira. Os resultados da pesquisa
evidenciaram que a proposta do Estado para a formação dos trabalhadores do
campo no período neodesenvolvimentista configurou o que denominamos de
‘neoruralismo pedagógico’, uma perspectiva de formação que não se confunde com
o ruralismo pedagógico, pois não visa promover uma formação rígida e restrita ao
modelo produtivista, tampouco se confunde com a concepção de formação da
Educação do Campo, visto que não rompe com os limites da adaptação psicofísica
dos trabalhadores. O ‘neoruralismo pedagógico’ é uma perspectiva de formação que
tem por objetivo central a adequação da força de trabalho e dos territórios locais às
novas demandas do processo de reestruturação produtiva. Para isso, reconfigura a
proposta de adaptação psicofísica dos trabalhadores de acordo com os objetivos da
formação flexível. Assim, em um duplo movimento, o Estado brasileiro, no período
neodesenvolvimentista, combinou em suas políticas de Educação do Campodemandas dos movimentos sociais populares com os objetivos da acumulação
flexível do capital, produzindo o falso consenso que é a base da ‘pedagogia da
hegemonia’ (NEVES, 2005). Ao explicitar as contradições da formação dos
trabalhadores do campo proposta pelo Estado, evidenciamos a necessidade de que
os movimentos sociais populares fortaleçam sua atuação em rede, como forma de
contrapor efetivamente a hegemonia dos grupos ligados aos interesses do capital.
Com isso, não pretendemos desconsiderar a importância das políticas públicas na
consolidação de direitos, mas sim contribuir para evidenciar as possíveis alternativas
de ‘resistência ativa’ (MARTINS, 2017), que garantam o protagonismo dos
movimentos sociais populares na efetivação da formação que interessa aos
trabalhadores.