Tendo em vista o papel relevante que instituições sociais, como escola, família e religião, têm na produção das subjetividades, sobretudo na infância, e como estas participam ativamente da construção da heteronormatividade, o escopo desta pesquisa é compreender o discurso religioso como dispositivo de poder que gesta as categorias de infância, gênero e sexualidade dentro de um modelo unívoco e binário. Essa problematização ganha ainda mais relevância com os estudos de Michel Foucault ao analisar que o discurso oculta o que ele deseja produzir e naturaliza práticas que são socialmente construídas, de modo a ressaltar não apenas a instituição da norma, mas, sobretudo, seus efeitos produtivos. A presente pesquisa, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu/CUR/UFMT), à linha de pesquisa “Infância, Juventude e Cultura Contemporânea: direitos, políticas e diversidade” e pertencente ao grupo de pesquisa “Infância, Juventude e Cultura Contemporânea” (GEIJC), tem como objetivo principal compreender, nas memórias das estudantes de Pedagogia, os sentidos que produzem sobre suas experiências de infância, que remetem a questões de gênero e religião. Mais especificamente, levanto as seguintes questões: (1) Que sentidos são produzidos na relação entre infância, gênero, religião e educação nas narrativas dessas mulheres? (2) Que marcadores sociais, como sexualidade, raça e classe social, se destacam, nessas narrativas, no que tange à relação entre infância, gênero, religião e educação? (3) Que tensões há entre as memórias da menina educada do passado e os discursos da mulher educadora do presente? (4) Que possibilidades de ressignificação da infância e de sua educação, por meio dos diálogos estabelecidos com as estudantes de Pedagogia, se fazem presentes no processo de pesquisa? Como base teórica, parto: dos estudos da infância aqui entendida como categoria social e histórica; da abordagem teórica dos estudos feministas de Judith Butler e Ivone Gebara; e das análises de Michel Foucault acerca da sexualidade como dispositivo de poder. Como referencial teórico-metodológico, adoto a análise de discurso de Mikhail Bakhtin, pautada na perspectiva do dialogismo e da alteridade, bem como as perspectivas de narrativa, memória e experiência de Walter Benjamin. A presente pesquisa tem como estratégia metodológica entrevistas semiestruturadas, com foco nas memórias de infância de quatro estudantes do curso de Pedagogia, do polo de extensão do Instituto Superior Albert Einstein (ISALBE), localizado no município de Rondonópolis, em Mato Grosso. Essas entrevistas foram registradas por meio de gravador de áudio digital e, posteriormente, transcritas para as análises. Durante o processo de análise, o gênero, a religião e a sexualidade têm se mostrado como interrogantes do modelo único de infância estruturado em uma matriz heteropatriarcal e heteronormativa. A pesquisa tem trazido reflexões acerca da nossa responsabilidade como educadoras diante da tentativa de cerceamento das múltiplas expressões de gênero e sexualidade na infância. Posto isto, o discurso religioso aparece como elemento central nesta investigação, pois mostra-se presente nas mais diversas instituições, incluindo a escola, produzindo o efeito de neutralidade e universalidade. Esta pesquisa abre-se para as críticas e a possibilidade de ressignificar a infância, que há muito tem sido alvo de vigilâncias e controles que são produtores de subjetividades sob uma perspectiva adultocêntrica.