Há um forte argumento hoje em favor do uso de tecnologias e dados digitais para melhorar o fun-
cionamento das cidades e a vida dos cidadãos. Cidades inteligentes são apresentadas como uma
solução para uma variedade de problemas urbanos, incluindo crise econômica, sustentabilidade
ambiental e injustiça social. Oferecendo mais nuances para essa suposição, esta tese engaja-se
criticamente com a noção de urbanismo inteligente (SU) e visibilidade digital.
Esta pesquisa foca em mapeamentos digitais da informalidade, um fenômeno que vem ganhando
importância a partir do início da década de 2010, especialmente no Sul Global, devido ao seu
suposto potencial de reconfiguração das dinâmicas de poder em cidades. As narrativas atuais so-
bre a inclusão de assentamentos informais em mapas on-line geralmente vinculam a visibilidade
digital à inclusão urbana. Os mapeamentos digitais da informalidade seriam formas de empoderar
os cidadãos excluídos e de integrar territórios isolados, de forma que passem a ser reconhecidos
como parte das cidades. A visibilidade digital da informalidade também representaria a semente
de um urbanismo inteligente alternativo. Em contraponto a esta narrativa, este estudo questiona:
A visibilidade digital é, em si mesma, sempre igual à inclusão urbana?
Para responder a essa questão, este estudo explora diferentes formas de invisibilidade que coex-
istem com a visibilidade das favelas nos mapeamentos digitais do Rio de Janeiro, Brasil. O período
de análise é de 2008 a 2016, marcado por intensas transformações no regime de visibilidade da
cidade do Rio, em preparação para as Olimpíadas de 2016 e outros megaeventos. Em outras pa-
lavras, procura-se responder:
Como a visibilidade digital das favelas através de mapeamentos se desdobra no fazer da cidade do
Rio entre 2008 e 2016?
Empiricamente, o estudo baseia-se em dados existentes sobre crescimento urbano, remoção de
habitações, deslocamento populacional e outras formas de (in) visibilidade de favelas no contexto
das Olimpíadas de 2016.Também se baseia em dados produzidos sobre mapeamentos digitais de
favelas. Teoricamente, alinha-se com o Urbanismo Smart, um debate acadêmico crítico atento
à equação entre poder e conhecimento em cidades inteligentes. Também compreende, entre
outras áreas, a geografia urbana crítica, a teoria crítica da tecnologia e a cartografia crítica. O
referencial conceitual analítica do governo (analytics of government) é utilizado para perceber
como o poder é exercido em um regime de práticas do urbanismo, em um espaço e tempo bem
delimitados. Ao prover um conhecimento teórico, histórico e contextual da visibilidade e sua
relação com o urbanismo, indica-se que:
A visibilidade digital é uma dimensão do exercício de poder, assim, não pode ser, por si só, sempre
igual à inclusão urbana.
A questão de pesquisa e a tese são orientadas para a teorização. Elas não foram desenhadas para
simplesmente fornecer uma resposta sim / não, mas para definir as bases de perguntas do tipo
como. Cada um dos capítulos representa uma “camada” na construção do argumento sobre como
a visibilidade digital se desdobra:
(1) A visibilidade digital é uma dimensão do exercício do poder e, como tal, desempenha um papel na
produção social de cidades (inteligentes).
(2) Visibilidade digital, mapeamento e urbanismo são práticas sociais de governar.
(3) A visibilidade e a inclusão das favelas (in) têm sido processos ambíguos e disputados em toda a
história do Rio, e esse também é o caso hoje da visibilidade digital.
Estas três sentenças visam fornecer clareza teórica à noção de visibilidade digital, a fim de auxiliar
futuras pesquisas no desenvolvimento de conceitos e teorização dentro do Urbanismo Smart. A
preocupação não é apenas desvelar a narrativa da inclusão urbana por meio da visibilidade digital
como simplista, mas abrir discussões sobre a relevância política e o impacto dessa narrativa. Em
outras palavras, este trabalho chama a atenção para um problema não respondido:
Se a visibilidade digital não é, por si só, igual à inclusão urbana, então, como a visibilidade digital
realmente produz o urbano?
Os resultados revelam que a visibilidade digital não é necessariamente igual à inclusão urbana.
Os assentamentos informais não recebem um conjunto de direitos de existir na cidade, uma vez
que se tornam digitalmente visíveis. A visibilidade digital não é um mecanismo de ligar / desligar,
mas uma jornada rumo a uma forma de experiência urbana contemporânea em que a visibilidade
digital e a invisibilidade, assim como as inclusões e exclusões urbanas, coexistem e se entrelaçam.
Esta conclusão é relevante porque reforça as descobertas anteriores sobre a natureza política
das cidades inteligentes, ao passo em que sugere um compromisso mais profundo da agenda do
SU com a visibilidade como uma categoria para as ciências sociais e uma dimensão do exercício
do poder. Há necessidade de uma racionalização e argumentação crítica aprofundadas sobre as
relações entre poder e visibilidade digital nas Cidades Inteligentes, de modo a compreender mel-
hor as dinâmicas que precisam ser transformadas, como as exclusões urbanas.