A anemia falciforme (AF) é uma doença complexa que está associada a morbidade significativa e mortalidade prematura. Crises de falcização levam à hemólise intravascular e vaso-oclusão recorrente, em associação com inflamação vascular e ativação endotelial, diante da complexidade e heterogeneidade das manifestações clinicas da AF seria útil a identificação de biomarcadores para auxiliar na determinação da gravidade dos pacientes. Alvos moleculares, como microRNAs, têm sido estudados em fluídos corpóreos para diagnóstico de diversas doenças. O presente estudo tem como objetivo identificar assinaturas específicas de microRNAs circulantes em amostras de plasma de portadores de AF, comparando-as com índices de gravidade pré estabelecidos na AF. Metodologia: Foi realizado um screening do nível de expressão gênica de 667 miRNAs em quatro amostras de plasma de pacientes com elevação da velocidade de regurgitamento da válvula tricuspide (VRT) aumentada (G1: ≥ 2,5 m/s) e quatro pacientes sem elevação de VRT (G2: < 2,5 m/s). Após extração do RNA estas amostras foram analisadas por PCR em tempo real (StepOne™ Real-Time PCR System - Life Technologies) utilizando o sistema Taqman MicroRNA Array (Megaplex™ RT Human Pool A e Megaplex™ RT Human Pool Blife - Life Technologies). Para análise utilizou-se o programa Expression Suite Software e SPSS. A validação dos microRNAs circulantes identificados foi realizadas em amostras de plasma 53 de pacientes com AF incluídos no estudo, e a expressão diferencial comparada segundo índices de gravidade previamente estabelecidos na AF. Resultados: Dois dos cinco miRNA, miR510 e miR629, tiveram sua expressão relativa significantemente mais baixa em pacientes mais graves. A expressão do miR510 permitiu a discriminação dos pacientes de acordo com o escore VRT no ponto de corte 0,000367664, sensibilidade 68,4%, especificidade 81,2% e área sob a curva (AUC) de 0,773 (95% IC: 0,611-0,935, p = 0,006). O mesmo miRNA também foi um bom discriminante no SLO em um ponto de corte de 0,000331043, sensibilidade de 70,6%, especificidade de 72,2% e AUC de 0,716 (95% IC: 0,537-0,894), p = 0,029. O miR629 foi relacionado à gravidade de acordo com o escore bayesiano no ponto de corte de 0,0009854449, sensibilidade de 66,7%, especificidade de 75% e AUC de 0,729 (IC de 95%: 0,527-0,897, p = 0,047). Os outros miRNAs, miR15b, miR502 e miR544, não apresentaram resultados significativos. Discussão e Conclusão: Este é o primeiro estudo que analisa o miRNA plasmático como um biomarcador da gravidade da AF. O miR510 regula a Peroxirredoxina-1 (PRDX1), uma proteína envolvida no estresse oxidativo. O aumento do estresse oxidativo apresentado na AF pode sugerir que o miR510 tenha um papel nesse mecanismo. O miR629 parece estar envolvido na via de sinalização AKT1 relacionada à endotelina-1. Já foi amplamente descrito que a endotelina-1 está aumentada na AF e é importante na hipertensão pulmonar. Os miR510 e miR629 parecem estar hipoexpressos em pacientes mais graves com AF, com possível importância na regulação das manifestações clínicas associadas à doença vascular, embora mais estudos pareçam ser necessários.