A presente tese visa clarificar a definição original de fenomenologia na primeira edição das Logische Untersuchungen de Husserl – nomeadamente, ‘fenomenologia é psicologia descritiva’. Como se sabe, tal definição deve ser vista no contexto relação intelectual entre Husserl e seu mestre Brentano, posto que Husserl pertenceu à Escola de Brentano e que o método característico desta escola foi um método psicológico-descritivo. Além destas razões históricas, no entanto, há razões sistemáticas consistentes para termos tal relação em vista. Logo após introduzir sua definição de fenomenologia, Husserl esboça as suas próprias ideias acerca de uma ‘psicologia descritiva’, indicando como elas se diferenciam das ideias brentanianas. A fenomenologia consistiria em uma descrição pura, neutra e ateórica da vida fenomenal, não devendo ser confundida com aquele tipo de psicologia descritiva que se define essencialmente por sua rejeição do método explicativo da psicofísica e se interessa pela ‘experiência interna’. Uma compreensão mais profunda da definição original de fenomenologia, portanto, implica examinar as suas diferentes reações à psicologia brentaniana – i.e., de seus critérios para rejeitar algumas teses brentanianas e aceitar parcialmente, mas também renovar algumas outras. Dois grandes eixos de discussão devem ser aí destacados. (i) A psicologia de Brentano é naturalista, desenvolvendo suas teorias em um complexo conjunto de relações com diferentes campos da ciência natural, por vezes se apoiando em suas explicações e métodos, por vezes até mesmo herdando alguns de seus pressupostos metafísicos. A fenomenologia de Husserl, por outro lado, é caracterizada por seu ‘princípio de ausência de pré-juízos’. Ela consiste, portanto, em um método idealista, dedicado à descrição pura da estrutura essencial de nossos atos e às clarificações conceituais daí resultantes, que desempenham um papel preparatório para a lógica pura. (ii) Brentano entende a referência objetual de nossos atos psicológicos por meio de sua famosa tese da ‘inexistência intencional’, i.e., da natureza imanente, intramental daqueles objetos. Husserl, por outro lado, rejeita esta tese e busca depurar a análise da referência objetual de quaisquer comprometimentos ontológicos ou metafísicos, conduzindo-a em termos puramente descritivos. Ele argumenta em favor da transcendência do objeto intencional e não de sua imanência. Um exame cuidadoso destes dois eixos de discussão nos oferece as informações necessárias para defender que a fenomenologia é um tipo especial de psicologia descritiva por que: (i) desenvolve um método descritivo mais puro, radical, intuitivo e teoreticamente autônomo do que o brentaniano; (ii) delimita de maneira mais cuidadosa os conceitos de imanência e transcendência próprios à vida fenomenal, bem como as características essenciais da intencionalidade dos atos de consciência.