Desde o século XIX o sistema literário relega a literatura de autoria feminina a um papel secundário, o que contribuiu, numa sociedade formada por valores religiosos, políticos e sociais embasados no patriarcalismo, que, se não menospreza totalmente a atuação feminina, a subjuga e discrimina, para que as mulheres se vissem representadas pelo olhar e pela voz do homem, uma representação imbuída do propósito de perpetuar a exclusão da mulher do contexto social, além de reforçar os estereótipos que orientam a formação feminina pela assimilação da violência simbólica. O campo literário brasileiro expõe as tensões e jogos de poder em que estão envolvidos o papel da mulher e sua atuação, além de também constituir-se como um espaço de exclusão, como comprovam as pesquisas de Regina Dalcastagnè (2012). Considerando a literatura como direito humano, conforme Candido (2013), neste trabalho empreendemos a pesquisa sobre a literatura de autoria feminina e seu contexto histórico como forma de elucidar suas contribuições para a representação social da mulher, mais especificamente nos anos finais da Ditadura Militar, em que a presença do erotismo constitui um ponto de desequilíbrio no papel da mulher endossado pela burguesia. As narrativas de Marina Colasanti em Contos de amor rasgados (1986), Márcia Denser em Diana caçadora & Tango fantasma (1986, 1977), Maria Amélia Mello em Às oito, em ponto (1984), inserem-se como vitrines sobre o empoderamento feminino durante o período, porque trabalham as problemáticas cotidianas da mulher por um viés feminino, em que a resistência assume várias formas, desde o silenciamento e o alheamento até o erotismo como elemento de transgressão e resistência comportamental. O arcabouço teórico que permeia os capítulos desse trabalho conta com nomes como o de Simone de Beauvoir (2016a, 2016b), das pesquisadoras Rita Terezinha Schmidt (1999), Elódia Xavier (1999), para abordar a literatura de autoria feminina. Georges Bataille (1987) e Herbert Marcuse (1975) para refletir sobre o erotismo. Elio Gaspari (2002a, 2002b) e Sandra Reimão (1996, 2011) para contextualizar o período ditatorial e a relação com a literatura. Além desses, muitos outros estudiosos, teóricos e pesquisadores essenciais para compreender a importância da literatura feminina e o papel do erotismo como elemento de resistência. Marca da produção de muitas autoras nos anos finais da Ditadura Militar, como apontado por Nelly Novaes Coelho (1993) e Luiza Lobo (1993), o erotismo apresenta-se como um chamariz para outras questões diretamente ligadas à representação feminina, pois ele é o elemento que rompe com a dominação patriarcal e ao mesmo tempo revela um posicionamento diferente da mulher, frente a sua própria sexualidade. Em Colasanti o erotismo aparece de forma fantástica e poética; em Denser, o erótico chega ao grotesto e ao sarcasmo para revelar que o poder fálico é falho e, finalmente, em Mello, o erótico possui um apelo político que remete ao contexto ditatorial. As três autoras, cada uma com suas peculiaridades, emprega o erotismo como arma de empoderamento que resulta em novas representações da mulher.