Ao assumir a Presidência da República em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva montou e geriu sua base de apoio de forma diferente do que já se mostrara eficaz. Ao distribuir os cargos ministeriais entre os partidos que a integravam, desconsiderou a proporção da participação das legendas na coalizão e destinou 60% destes a integrantes do seu partido, que respondia por 28,62% da base. Em relação ao pagamento de emendas orçamentárias, priorizou integrantes de partidos de fora da coalizão – inclusive da oposição - em detrimento de parlamentares da base de apoio do governo. Além disso, Lula montou a coalizão com maior número de partidos e mais heterogênea até então, reunindo do PCdoB ao PL. As investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios e o julgamento da Ação Penal 470 (BRASIL, 2013) pelo Supremo Tribunal Federal evidenciaram que o Mensalão foi usado
como ferramenta de governabilidade. As tradicionais ferramentas de gestão da coalizão do presidencialismo de coalizão foram substituídas, ao menos em parte, pela remuneração de parlamentares e de partidos políticos. Esta pesquisa busca explicar o porquê desta prática. Apesar de inúmeros relatos de expedientes semelhantes em outros governos, esse foi o único caso comprovado em duas instâncias – uma política e uma judicial - que, além de
corroborarem sua existência, apontaram correlação direta entre os valores transferidos, o ingresso de parlamentares em partidos da base e as votações de interesse do governo. A pesquisa foi desenvolvida como Estudo de Caso, com análise documental das investigações realizadas e entrevista de agentes políticos ligados direta ou indiretamente ao Partido dos Trabalhadores e ao Mensalão. A base teórica é o Neo-Institucionalismo Histórico, por buscar na história do PT as respostas, mas emprega a Teoria da Escolha Racional para analisar as mudanças realizadas pela legenda entre 1995 e 2002, sob a presidência de José Dirceu, que reuniu as forças de centro-direita do partido. Concluiu-se que, quando Lula assumiu o governo, o PT era um partido híbrido. José Dirceu conduzira a legenda para um perfil voteseeking, bem-sucedido ao viabilizar a vitória de Lula. Mas a chamada esquerda do partido mantinha fortes características policy-seeking e contava com significativa presença no
Parlamento, não podendo ser ignorada na distribuição de cargos. O partido que passara por profundas mudanças e adotara práticas comuns às demais legendas para jogar o jogo eleitoral não se portou da mesma forma ao chegar à Presidência da República. Não quis, ou não conseguiu, jogar o jogo da governabilidade com as ferramentas existentes. Para conseguir governar, mas seguir hegemônico e manter a imagem construída em suas origens, incorporou o Mensalão à caixa de ferramentas de gestão da coalizão.