Resumo estruturado
Introdução: A infecção pelo vírus da Hepatite C (VHC) persiste como um dos
maiores desafios da saúde pública. De acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS), é estimado que 71 milhões de pessoas viviam com a infecção de
VHC em 2015, o que representa 1% da população mundial. Pacientes infectados
não identificados, não serão tratados, e apresentarão risco potencial de
desenvolverem cirrose hepática e carcinoma hepatocelular. Além das
consequências hepáticas da infecção crônica pelo VHC, diversas manifestações
extra-hepáticas, incluindo distúrbios neurológicos e psiquiátricos, podem chegar a
50% e alterar a qualidade de vida destes pacientes. Objetivo: Avaliar a prevalência
e fatores de risco associados com depressão em pacientes portadores de hepatite C
crônica (HCC), na ausência de tratamento, no Ambulatório de Hepatites Virais da
Escola Paulista de Medicina – UNIFESP e no Centro de Prevenção e Assistência às
Doenças Infecciosas (CEPADI) em São Caetano do Sul. Métodos: Estudo
transversal para avaliar a prevalência de fatores de risco associados à depressão
usando o Inventário de Depressão Beck (BDI). Os pacientes acompanhados nos
dois centros participantes do estudo, com mais de 18 anos de idade,
monoinfectados com hepatite C crônica, sem co-morbidade neurológica ou cirrose
descompensada, sem tratamento prévio há pelo menos 12 meses eram submetidos
à avaliação sociodemográfica, socioeconômica e a inquérito de sintomas
depressivos (Inventário de Depressão Beck). A associação entre depressão e
variáveis sociodemográficas e econômicas foi avaliada através de análises
univariadas e multivariadas. Resultados: Foram incluídos 271 pacientes, 129
(47,6%) mulheres e 142 (52,4%) homens, com média de idade de 50,8 anos, 42,8%
com menos de nove anos de escolaridade, e 55% pertencentes às classes
econômicas C/D/E. De acordo com os resultados do BDI, 103 (38%) pacientes
tiveram resultados compatíveis com diagnóstico de depressão: 52 (19,2%) leve, 46
(17,9%) moderada e 5 (1,8%) com depressão grave. A prevalência da depressão foi
mais alta em pacientes atendidos pela UNIFESP (47,3%), comparado com os
atendidos no CEPADI (33,3%). Entretanto, essa diferença entre os centros foi
observada somente nas mulheres, 61,4% contra 37,6%, respectivamente (p= 0,01).
A prevalência da depressão entre as classes socioeconômicas A/B foi quase duas
vezes menor que nas classes C/D/E (RR=0,51; IC95% 0,32-0,87). Entretanto, após
ajuste feito por sexo, a classe socioeconômica foi associada à depressão somente
entre mulheres (36,4% versus 77,8%; p = 0,008), e não entre homens (25,0% versus
37,9%; p = 0,48). A depressão foi mais frequentemente detectada em pacientes com
menos de nove anos de escolaridade (42,6% versus 28,9%; p = 0,029). Essa
associação perde significância quando ajustada para as classes sociais (p = 0,77).
Pacientes com tratamento psiquiátrico prévio tiveram mais depressão (61,3% versus
35,0%; p = 0,005). Pacientes com fibrose avançada (F3/F4) também foram
associados à depressão (45,3% contra 32,6%; p = 0,039). No modelo final de
análise multivariada, que inclui a classe socioeconômica, o sexo feminino, o
tratamento psiquiátrico prévio e as classes C/D/E permaneceram
independentemente associados à depressão. Se a classe socioeconômica não for
incluída, fibrose em grau avançado, o sexo feminino e tratamento psiquiátrico prévio
permaneceram no modelo final. Conclusão: A prevalência de depressão em
pacientes com HCC sem tratamento atual foi consideravelmente maior (38,0%) que
na população geral. Depressão foi independentemente associada ao sexo feminino,
tratamento psiquiátrico prévio, classes socioeconômicas C/D/E e fibrose avançada
(F3/F4).