Este trabalho pretende investigar, partindo da fenomenologia, a maneira pela qual a ontologia fenomenológica consolida uma nova imagem da consciência como consciência presente a si, mas não idêntica a si. Inseridos na investigação desse novo estatuto teórico, vislumbraremos o irromper de uma “trama conflituosa” do para-si em relação ao em-si, em relação ao Outro e em relação a si mesmo. Instituindo, a partir da ideia de Nada, uma fissura intraconsciente, Sartre parece reelaborar, em sentido ontofenomenológico, a assertiva de La transcendance de l’Ego, qual seja: a de que “o homem é sempre um feiticeiro para o homem”. N’outras palavras, esta reelaboração pretende fundar, agora no nível da própria imanência da consciência (consciência pré-reflexiva), o que, no opúsculo sobre o Ego transcendente, era identificado como o resultado fetichista da reflexão impura (consciência reflexiva): a criação de artifícios contra a inexorável liberdade. Sob os auspícios dessa não coincidência a si, a consciência operará em um regime de má-fé que, enquanto estado inautêntico, modalizará a existência do para-si como: 1) fuga da translucidez da consciência, 2) fuga da liberdade, 3) busca impossível e paradoxal de uma identidade a si concebida sob o modo, igualmente impossível e paradoxal, do ser-em-si-para-si. Cercando as condições ontofenomenológicas desta postura inautêntica (nível estrutural da realidade-humana), passaremos, na sequência, à psicanálise e biografias existenciais como “método especial” de decifração e caça deste si a partir da elucidação do projeto/escolha original do para-si. Contudo, e este talvez seja o problema par excellence, a análise psicanalítica aparentemente não poderia produzir nenhum efeito “terapêutico”, pois a busca pela identidade a si figurará, em L’être et le néant, como índice fenomenal de abertura da consciência ao mundo.