O objetivo central desta pesquisa é compreender como as múltiplas influências contextuais e o poder de agência concorrem para a construção das carreiras de trabalhadoras que atuam em serviços terceirizados de limpeza. A abordagem pós-bourdieusiana proposta assume, como ponto de partida e influência central, o arcabouço conceitual proposto pelo sociólogo brasileiro Jessé Souza (2012a, 2009, 2012b), cujo objetivo é desvelar o ancoramento institucional das ideias subjacentes à persistente desigualdade social entre nós. Representa uma tentativa de atender às demandas pela realização de pesquisas voltadas às carreiras de trabalhadores das classes populares (GUEST; STURGES, 2007; THOMAS, 1989; WALTON; MALLON, 2004).
A relevância atribuída, nesta pesquisa, às influências contextuais sobre as carreiras individuais resultou na aproximação dos contornos teóricos propostos por Bourdieu (1990) com elementos da sociologia psicológica de Bernard Lahire (2002, 2016). Com vistas a caminhar para além das cercanias de uma abordagem disposicionalista, optou-se por contemplar a dimensão reflexiva da atividade humana a partir do conceito de conversações internas, introduzido pelo pragmatismo norte-americano e retomado pela socióloga britânica Margareth Archer (2003, 2007).
Ao fim e a cabo, acredita-se que os resultados dessa pesquisa apontam para a necessidade de relativização daquelas teses em favor da crescente individualização (BECK, 1997, 2010; GIDDENS, 1997, 2002; DUBAR, 2010) e destradicionalização experimentadas na alta modernidade (GIDDENS, 1991). Contrapõe-se, assim, à tendência de homogeneização, a partir de um processo de generalização abstrato, das condições de possibilidade, ou de existência, de estratos sociais específicos (classes média e alta) para o conjunto da população (MATTOS, 2006). Caso particular da referida tendência, é a proposição do construto carreiras sem fronteiras (ARTHUR; ROUSSEAU, 1996), cujo foco demasiado na agência individual implica uma análise severamente descontextualizada, dissociada das múltiplas condicionantes sociais e simbólicas. A priorização do foco em carreiras profissionais e gerenciais em contextos específicos, com destaque para setores criativos e intensivos em tecnologia, e sua universalização para toda e qualquer trajetória profissional acaba por resultar na reificação de um novo princípio de emprego e de um modelo de homem a ele associado. Acaba-se por flertar, na visão de alguns autores (ROPER, GANESH, INKSON, 2012) com a ideologia neoliberal, legitimando, em alguma medida, a transferência de responsabilidades e riscos do empregador para o empregado.
A aproximação de casos concretos, a exemplo das histórias de vida das interlocutoras dessa pesquisa, mostra-nos, contudo, uma realidade que não se coaduna com os pressupostos de muitas das carreiras contemporâneas, das quais as carreiras sem fronteiras são um caso particular. A abordagem multicontextual de carreira adotada nesta tese permitiu que se verificassem múltiplas fronteiras, ou barreiras, ao longo das trajetórias percorridas pelas entrevistadas – familiar, social, habitacional, de lazer, religiosa, moral e profissional. Pôde-se perceber que as múltiplas influências contextuais percebidas ao longo dos processos de socialização vivenciados pelas entrevistadas relacionam-se causalmente à construção de patrimônios disposicionais correspondentes a baixos volumes de capital familiar, social, cultural e econômico que, recursivamente relacionados a níveis limitados de reflexividade (bounded agency), contribuíram de forma decisiva para o seu encaminhamento profissional rumo a posições subalternas no mercado de trabalho.