Assumidamente experimental e transdisciplinar, a tese, espécie de diário de navegação, analisa a obra da carnavalesca Rosa Magalhães a partir de eixos temáticos extraídos da narrativa desenvolvida pela autora para o desfile de 2004 do Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, intitulada Breazail. O enredo (o texto escrito e a sua tradução em fantasias e alegorias, além do próprio samba de enredo) propõe reflexões sobre os usos simbólicos da cor vermelha e as origens do nome Brasil, enfocando a criação da primeira feitoria portuguesa nas Américas, fundada por Américo Vespúcio, entre 1503 e 1504, no território da atual Cabo Frio, litoral fluminense. Depois de carnavalizar tal episódio dos nossos “primeiros tempos”, a artista mergulha na prosa de Utopia, o livro-base de Thomas More, comparando a ilha dos utopianos ao cenário brasileiro. Trata-se de uma narrativa fundacional e utópica, que propõe diálogos interartísticos dos mais sofisticados (vide a presença de Bosch, Goya e Gaudí) e que viaja por diferentes localidades do globo (Europa continental, China, Irlanda, Brasil). Quando se estabelece um diálogo com as teorizações de Michel Foucault, graças à aproximação proposta por Alberto Pucheu ao analisar o poema Carnaval Carioca, de Mário de Andrade, é possível observar as dimensões heterotópicas e heterocrônicas do texto em questão. Do conceito de utopia desdobram-se os princípios das heterotopias, conforme o enunciado pelo filósofo francês. A fim de expandir a análise e compreender com maior profundidade o universo trabalhado pela autora, são extraídas de Breazail algumas chaves de leitura: os acordes utópicos (e distópicos) recorrentes; a presença de viagens e navios; o contraste entre os olhares estrangeiros e um senso de brasilidade (a tal “identidade nacional”) que se manifesta de diversos modos, das festas populares aos panelaços políticos; o sabor antropofágico, expansão e atualização das ideias defendidas na dissertação A Antropofagia de Rosa Magalhães, de 2014. Ao final, quando o último desfile por ela assinado recebe apontamentos críticos (sob as lentes do olhar dialético), defende-se que a carnavalesca pode ser considerada uma narradora do deslocamento, diaspórica, fronteiriça, cuja obra tenciona, direta ou indiretamente, a ampla temática dos estudos utópicos, redesenhando rotas e mapas no palco aberto da Marquês de Sapucaí; reprocessando e ressignificando, ano após ano, um universo simbólico dos mais inclusivos e interconectados.