Essa dissertação tem como objetivo analisar as redes de interdependência nas quais
estão inseridas as crianças negras e brancas dos bairros Campo de Santana (região sul) e Santa
Felicidade (região norte), em Curitiba, a partir da articulação dos conceitos de infância,
espaço e relações étnico-raciais. Está pautada, principalmente, na sociologia configuracional
de Norbert Elias, com apoio do referencial teórico da sociologia da infância e das relações
étnico-raciais. Após levantamento de dados de pesquisas nacionais e municipais, da oferta de
equipamentos públicos de lazer, cultura e segurança e caracterização de cada bairro, realizouse conversas com 12 crianças de cada bairro, sendo 6 negras e 6 brancas, com idades entre 9 e
11 anos, estudantes de duas escolas municipais de Curitiba, sobre a utilização dos espaços dos
bairros onde vivem e da cidade como um todo. Partiu-se da seguinte pergunta de pesquisa:
Como as crianças negras e brancas constroem suas identidades a partir da constituição de suas
redes de interpendência nos contextos específicos dos bairros Santa Felicidade e Campo de
Santana e da cidade de Curitiba? Evidenciou-se que existe uma segregação espacial que
mantém a população mais pobre e negra na região sul da cidade, onde há falta de
equipamentos públicos e poucos espaços destinados às crianças, enquanto na região norte
existe uma variedade de oferta de espaços públicos e privados, com diversos parques,
equipamentos culturais e de segurança. Na região norte, apesar da diversidade de espaços
ofertados, o medo impede que as crianças circulem e ocupem esses espaços, há preferência
pelos espaços privados e fechados por conta da sensação de segurança que eles transmitem.
As crianças negras têm desvantagens em relação às crianças brancas, acessando e utilizando
menos os espaços do bairro e da cidade, tanto públicos quanto privados. As condições
econômicas das famílias da região norte são mais heterogêneas, mas a maioria das mães e pais
possuem ocupações elementares, ou seja, são de classe popular. Na região sul, a mobilidade
está mais restrita aos espaços do bairro, as crianças brincam mais na rua e falam menos sobre
o medo, mas, geralmente, não podem sair desacompanhadas. A condição econômica das
famílias é mais homogênea, todas tem ocupações elementares e mesmo assim prevalece a
desigualdade sobre as crianças negras que mesmo estando em condições semelhantes, ainda
precisam lidar com o racismo e as “feridas” causadas por ele. A análise revelou que as redes
de interdependência das crianças são permeadas pela desigualdade, pelo medo, pela falta de
segurança e pelo racismo, fatores que impactam negativamente na construção de suas
identidades individuais, especialmente, na criança negra que nem consegue se reconhecer
como tal alimentando uma rejeição ao próprio corpo, utilizando de estratégias diversas para
fugir do estigma de assumir uma identidade negra.