Os acidentes ofídicos ainda são um sério problema de saúde pública negligenciado. Para o tratamento é usado o soro antiofídico, que tem ampla disponibilidade no país. Entretanto, o desconhecimento na identificação de cobras peçonhentas e dos sintomas decorrentes de um acidente contribui para a ocorrência de falhas na terapia. A mortalidade ou sequelas da vítima resultam da toxicidade do veneno, quantidade inoculada e eficácia do tratamento. É necessária a procura imediata pelo serviço de saúde, uma vez que, o intervalo de tempo entre o acidente e o início do tratamento tem associação direta com a gravidade dos casos. A cidade de Manhuaçu, em Minas Gerais, é centro de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento das vítimas da região e tem o maior número de notificações do estado. O presente estudo busca descrever a dinâmica da ocorrência dos acidentes com serpentes, caracterizar o perfil dos pacientes, avaliar o tratamento com soro antiofídico e associar aos usos da terra em Manhuaçu. Foi realizada análise descritiva retrospectiva e ecológica dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), utilizando para isso o Excel 10.0 e Stata 12.0. Dados secundários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram usados para as características socioambientais do Município. No total, foram estudados 360 acidentes por serpentes, no período de 2007 a 2015. Observou-se quanto ao perfil dos pacientes que 278 (77,2%) eram homens, 204 (56,6%) adultos e 232 (64,4%) foram mordidos nos membros inferiores. Quanto à ocorrência do acidente, 289 (80,2%) aconteceram na zona rural. Ainda, 169 (46,9%) casos foram relacionados ao trabalho e 194 (53,8%) vítimas tinham a ocupação associada à agricultura, o que poderia ser um número ainda maior em vista das respectivas 76 (21,1%) e 152 (42,2%) fichas com essas variáveis ignoradas. Verificou-se que 313 (86,9%) foram acidentes botrópicos (gênero Bothrops), e 40 (11,1%) casos foram ignorados, não identificando a serpente. Em relação ao tratamento, 274 (76,1%) pacientes foram atendidos com menos de três horas após o envenenamento e 324 (90%) receberam soro antiofídico. A concordância do número de ampolas usadas em relação à gravidade do quadro clínico dos pacientes, calculada pelo coeficiente Kappa, foi de 59.81% (p<0,05), resultando em um tratamento de classificação moderada. No período de tempo analisado, não ocorreu nenhum óbito por ofidismo. Maio foi o mês com maior número de acidentes por serpentes (IC 95%=3,3±0,309), diferente do padrão observado na região Sudeste. O percentual de inércia do sistema de análise de componentes principais foi de 82% e 87%, associando, a incidência e gravidade dos acidentes respectivamente, com variáveis ambientais que aumentariam a oferta de alimento para as serpentes. A falta de dados no preenchimento da ficha de notificação impossibilitou a completa caracterização da ocorrência dos acidentes. A avaliação do tratamento mostrou-se eficaz, mesmo com a ocorrência de casos de não conformidade com a recomendação do Ministério da Saúde. A análise das características dos acidentes em Manhuaçu permitem inferir condições ambientais específicas que merecem melhor estudo. Os resultados visam orientar intervenções e contribuir para a melhor organização dos serviços de saúde quanto à prevenção, diagnóstico e tratamento dos casos na esfera municipal.