SCHOTTZ, Vanessa. Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): controvérsias
sobre os instrumentos de compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar.
2017. 232pp. Tese (Doutorado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ,
2017.
Desde 2003, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) vem passando por
mudanças que envolvem a reformulação de seus objetivos, princípios e diretrizes e desenho
operacional a partir da perspectiva intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN).
O marco legal do Programa, aprovado em 2009, estabelece um elo entre a oferta de alimentos
saudáveis na escola, o processo de ensino-aprendizagem e a agricultura familiar,
reconhecendo a alimentação escolar como um direito humano. Em consonância com alguns
princípios de SAN, foram introduzidas inovações no modus operandi do programa,
principalmente no que se refere às dinâmicas de aquisição públicas de alimentos, ao tornar
obrigatória a destinação de no mínimo trinta por cento dos recursos para a compra direta da
agricultura familiar, com dispensa de licitação. Essa tese se propôs a analisar a trajetória
histórica e o processo recente de reformulação do PNAE a partir de um ângulo ainda pouco
explorado nas análises de políticas públicas, os seus instrumentos. Buscou-se compreender, a
partir da abordagem da Instrumentação da Ação Pública (IAP), as seguintes questões: i) como
se sucedeu a escolha dos instrumentos para operacionalizar a aquisição de alimentos da
agricultura familiar; ii) quais foram os princípios de SAN incorporados aos instrumentos; iii)
quais foram os atores que incidiram sobre esse processo e quais as dinâmicas de interação
estabelecidas entre eles; iv) que controvérsias estiveram presentes. O estudo apontou que o
contexto de fortalecimento das interfaces socioestatais e de maior permeabilidade do Estado à
reorientação das políticas públicas, à luz dos princípios de SAN, criou oportunidades para que
coalizões de atores (governamentais e não governamentais), vinculados à defesa das causas da
SAN e da agricultura familiar, se articulassem em torno desse novo marco legal. Houve, por
parte destes atores, tanto um esforço por reorientar as diretrizes do PNAE, quanto por incidir
sobre a escolha dos instrumentos. A introdução de novos mecanismos de compra no âmbito
do PNAE envolveu a conformação de um campo de controvérsias, já que as mudanças
incidem na interface entre a ação pública e um mercado bem estabilizado. O mapeamento
efetuado no âmbito do Comitê Gestor e do Grupo Consultivo do PNAE (espaços formais
voltados para a regulamentação do programa) apontou que as principais controvérsias giraram
em torno das seguintes questões: i) a escolha da modalidade de operacionalização de compra
da agricultura familiar; ii) a adoção de critérios de seleção vinculados às diretrizes do PNAE
em substituição à compra pelo menor preço; iii) a definição da metodologia de preços; iv) o
estabelecimento do limite de venda por ano; v) a conexão entre o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) e o PNAE. Ao colocar uma lente sobre a instrumentação, buscamos
evidenciar que as dinâmicas associadas à construção desses dispositivos são tão importantes
quanto os princípios e os objetivos que orientam as políticas públicas, particularmente quando
se trata de abordagens inovadoras e de caráter intersetorial como a SAN.