Resumo:
A mortalidade fetal e neonatal na espécie canina é reponsável por perdas significativas para os
criadores e proprietários de cães. Diversos autores afirmam que as causas infecciosas são
importantes, mas estudos epidemiológicos são muito escassos e restritos a algumas raças e
canis, e ainda não foram realizados no Brasil. O objetivo deste trabalho foi investigar as doenças
relacionadas a mortalidade fetal e neonatal canina com a associação de métodos
anatomopatológicos, microbiológicos e moleculares. Foram necropsiados 203 filhotes de 89
ninhadas, provenientes de 32 canis localizados no estado do Espírito Santo, no sudeste do
Brasil. Alterações cadavéricas impediram a visualização de lesões macro e microscópicas em 15
animais. O congelamento dos cadáveres antes da necropsia impediu a análise microscópica em
51 animais. As lesões inflamatórias predominaram e frequentemente estavam associadas à
visualização de agentes bacterianos ao exame microscópico e/ou sua detecção pelos exames
auxiliares. As lesões mais frequentes foram: pneumonia (85,4%), onfalite (56,3%), hepatite
(47,2%), epicardite (38,5%), glossite (21,1%) e miocardite (17,4%). Malformações foram
observadas em 7,5% dos animais examinados. Infecções bacterianas foram a principal causa de
morte, tanto em infecções primárias, quanto em infecções secundárias. Os agentes bacterianos
isolados com maior frequência foram Staphylococcus sp. (62,6%), Escherichia coli (36,0%),
Klebsiella pneumoniae (17,8%) e Enterococcus sp. (9,8%). O isolamento de mais de um gênero
bacteriano ocorreu em grande número de filhotes (55,8%). Por meio da reação em cadeia da
polimerase, verificou-se positividade de 21% para Brucella sp., 1,5% para herpesvírus canino e
1,5% para Leishmania infantum. A brucelose canina mostrou-se disseminada em muitos filhotes
e canis, contudo, a frequência de aborto em ninhadas infectadas foi baixa. Este estudo
evidenciou que a brucelose perinatal canina estava relacionada principalmente a natimortalidade
e mortalidade neonatal nos canis positivos estudados, visto que o aborto foi raro nessa
população. Os filhotes Brucella-positivos na PCR analisados por imuno-histoquímica
apresentaram ampla distribuição do agente nos tecidos, frequentemente com infecção bacteriana
oportunista, especialmente por Staphylococcus (54%) e Escherichia coli (40,5%). Dentre os
agentes virais, a infecção por herpesvírus em sua forma generalizada foi observada em apenas
um indivíduo. Contudo, uma infecção viral caracterizada por gastroenterite, glossite e dermatite
ulcerativa associados a inclusões intracelulares sugestivas de infecção viral ocorreu em 60/161
(37,3%) dos animais examinados histopatologicamente, sempre associada a infecção bacteriana
oportunista. Não foi possível identificar o agente etiológico destas lesões neste trabalho. Um
caso de babesiose neonatal devido a infecção por Babesia canis vogeli foi diagnosticado por
métodos moleculares e anatomopatológicos. Antígenos de Toxocara canis foram demonstrados
por meio de imuno-histoquímica em focos de hepatite necrótica granulomatosa, hepatite portal e
pneumonia intersticial, indicando que tais lesões possam estar relacionadas a migração visceral
de larvas. T. canis foi diagnosticado também na forma adulta intestinal em três neonatos com
nove a 20 dias de idade. Coinfecções foram a causa de morte dos fetos e neonatos neste estudo,
geralmente com agentes bacterianos oportunistas, agentes virais e Brucella sp. Infecções por
agentes bacterianos oportunistas são facilmente diagnosticadas por métodos de rotina e podem
ocultar a ocorrência da doença primária. As infecções diagnosticadas nos fetos e neonatos
estudados, de forma geral, tiveram uma morfologia perinatal diferente daquela observada em
outras faixas etárias na espécie canina e são pouco documentadas na literatura, o que pode levar
ao subdiagnóstico em muitos casos. A caracterização anatomopatológica das doenças perinatais
caninas é a principal contribuição deste trabalho
Abstract:
Canine fetal and neonatal mortality is responsible for great losses to breeders and dog owners.
Many researchers consider infectious diseases as important causes of death, but epidemiologic
investigations are limited to some breeds or kennels and have not been performed in Brazil yet.
The goal of this study was to investigate diseases related to canine fetal and neonatal mortality
through anatomopathological, microbiological, and molecular analysis. A total of 203 puppies
were submitted to necropsy, from 89 litters and 32 kennels located in the State of Espirito
Santo, southeastern Brazil. Post mortem changes prevented morphologic diagnosis in 15
animals. Freezing artefacts jeopardized microscopy in 51 animals. Inflammatory lesions
predominated, frequently with visualization of bacterial agents in tissue lesions by microscopy
and/or their detection by the complementary analysis. Lesions most frequently diagnosed were
pneumonia (85,4%), omphalitis (56,3%), hepatitis (47,2%), epicarditis (38,5%), glossitis
(21,1%), and myocarditis (17,4%). Malformations were diagnosed in 7,5% of puppies. Bacterial
infections were the main cause of death, either in primary or in secondary infections. Bacterial
agents isolated more frequently were Staphylococcus sp. (62,6%), Escherichia coli (36,0%),
Klebsiella pneumoniae (17,8%), and Enterococcus sp. (9,8%). Isolation of more than one
bacterial genus occurred in many puppies (55,8%). Polymerase chain reaction detected
positivity in puppies for Brucella (21%), canine herpesvirus (1,5%), and Leishmania infantum
(1,5%). Canine brucellosis was spread in puppies and kennels, although the frequency of
abortions of infected litters was low. Brucella-PCR positive puppies submitted to
immunohistochemistry presented wide tissue distribution of the agent, frequently associated
with opportunistic bacterial infection, especially with Staphylococcus (54%) and Escherichia
coli (40,5%). This study brings evidence that canine perinatal brucellosis was mainly related to
stillbirth and neonatal death in the positive kennels studied, since abortions were rare in this
population. Among viral agents, herpesvirus generalized infection occurred in only one neonate.
One viral infection characterized by gastroenteritis, glossitis, and ulcerative dermatitis with
intranuclear inclusions suggestive of viral infection was detected in 60/161 (37,3%) of puppies
submitted to histopathology, always in association with opportunistic bacterial infection. It was
not possible to identify the etiologic agent of these lesions by the methods employed in this
research. One case of neonatal babesiosis due to Babesia canis vogeli infection was diagnosed
through molecular and anatomopathological methods. Toxocara canis antigens were detected
through immunohistochemistry in foci of necrotizing and granulomatous hepatitis, portal
hepatitis, and interstitial pneumonia, suggesting larvae visceral migration. Adult T. canis worms
were also detected in intestinal lumen of three neonates, nine to 20 days old. Co-infections were
the cause of death of the fetuses and neonates in this study, mainly with opportunistic bacterial
agents, viruses, and Brucella sp. Opportunistic bacterial infections are easily diagnosed by
routine methods and may hide the primary disease. The infections diagnosed in the fetuses and
neonates in this study, in many cases, were morphologically distinct from that described for
dogs in other age ranges and poorly documented in the literature, what may lead to
underdiagnoses in many cases. Anatomopathological characterization of canine perinatal
diseases is the main contribution of this study