A dor é uma experiência sensorial que inclui componentes emocionais e cognitivos associados a lesões reais ou potenciais. Após uma agressão tecidual, pronunciadas mudanças no fenômeno nociceptivo podem ocorrer, em parte, porque o estímulo lesivo induz a liberação de vários mediadores que sensibilizam ou excitam as terminações nervosas periféricas, causando dor inflamatória. A administração de carragenina na pata de camundongos induz um processo inflamatório intenso, sendo descrita uma cascata de liberação de citocinas pró-inflamatórias a partir da sua administração intraplantar. Carragenina estimula diretamente, em cascatas paralelas, o TNF-α e a CXCL-1; o TNF-α liberaria a IL-1β com consequente síntese de eicosanóides, já CXCL-1 estimula, de forma direta, a produção das aminas simpaticomiméticas, mas também estimula de forma indireta a liberação de eicosanóides através da indução via IL-1β. Nos últimos anos, várias evidências têm demonstrado a existência de uma modulação intrínseca da nocicepção que pode ocorrer nos terminais periféricos dos neurônios aferentes durante o processo inflamatório. Sabendo-se disso, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a participação do sistema colinérgico na modulação endógena periférica da dor inflamatória induzida pela carragenina e rastrear quais mediadores inflamatórios podem estar envolvidos na deflagração da modulação endógena pela ativação dos receptores colinérgicos em camundongos. Para atender ao objetivo foram utilizados camundongos Swiss (n=4), a hiperalgesia foi induzida nos animais pela injeção intraplantar de carragenina (25; 50; 100 e 200 μg) e os mediadores liberados a partir da administração de carragenina, como TNF-α (0,1; 1 e 10 ng), CXCL-1 (0,01; 0,1; 1 e 10 ng), IL-1β (0,1; 1; 10 e 100 pg), PGE2 (0,5; 1 e 2 μg) e noradrenalina (62,5; 125; 250 e 500 ng). O limiar nociceptivo (g) dos animais foi mensurado através do teste de retirada da pata submetida à compressão. Foi observado que a administração de todos os agentes pró-inflamatórios pesquisados apresentam uma diminuição do limiar nociceptivo, sendo essa diminuição dose dependente. As análises histoplatológicas do tecido plantar após a administração de carragenina mostraram a presença de intenso infiltrado inflamatório na pata dos animais. Foi inicialmente estudado o efeito da neostigmina (0,5; 1 e 2 μg), um inibidor da ação de acetilcolinesterase, e os resultados mostraram que essa substância foi capaz de inibir, de maneira dose dependente, a hiperalgesia induzida pelos agentes pró-inflamatórios, com exceção dos mediadores finais PGE2 e noradrenalina, indicando que carragenina, TNF-α, CXCL-1 e IL-1β concomitantemente com a
hiperalgesia são capazes de modular um sistema de antinocicepção periférica colinérgica. As análises de quais receptores colinérgicos poderiam estar envolvidos nesse processo antinociceptivo mostraram que o bloqueio não seletivo de receptores muscarínicos, por atropina (75, 150 e 300 μg) e seletivo de M1, por telenzepina (3, 6 e 12 μg) foi capaz de aumentar a hiperalgesia causada por carragenina e CXCL-1, enquanto que o bloqueio seletivo de M2, M3 e M4, por dimetindena, 4-DAMP e tropicamida (40 μg), respectivamente, não alterou a hiperalgesia induzida por carragenina. Além disso, os ensaios de western blotting mostraram que carragenina, CXCL-1 e PGE2, induzem um aumento na expressão de receptores colinérgicos M1 na pata dos camundongos, indicando, juntamente com os dados farmacológicos, de maneira inédita, que CXCL-1 deve ser a citocina inflamatória responsável por induzir a ativação da antinocicepção periférica via receptores muscarínicos. Os dados obtidos pelas análises imunohistoquímicas mostraram que a expressão desses receptores após a administração de carragenina se dá em células do infiltrado inflamatório com características compatíveis com macrófagos e mastócitos. Nossos dados também indicam que carragenina e os mediadores inflamatórios TNF-α, CXCL-1 e IL-1β são capazes de induzir a ativação da antinocicepção periférica via receptores nicotínicos. A análise dos ensaios de western blotting mostraram um aumento da expressão dos receptores α4 nicotínicos após a administração de carragenina, o que não é observado após a administração de CXCL-1 e PGE2, enquanto que a expressão dos receptores nicotínicos α7 não se altera após administração intraplantar de carragenina, CXCL-1 e PGE2. As análises imunohistoquímicas mostraram que esses receptores são expressos nas células epiteliais e no infiltrado inflamatório encontrado no tecido plantar dos camundongos após administração de carragenina. Os resultados da presente tese sugerem que o sistema colinérgico participa da modulação periférica da dor inflamatória induzida por carragenina em camundongos. Sendo que essa antinocicepção se dá através da ativação de receptores nicotínicos pelos mediadores inflamatórios TNF-α, CXCL-1 e IL-1β, bem como pela ativação de receptores muscarínicos M1 pela ação de CXCL-1.