Arte como trabalho (e vice-versa) é uma proposição teórica, um movimento de aproximação entre duas dimensões entendidas no senso comum, mas não apenas, como opostas. A convocação da arte para fora de sua condição autônoma e a quebra do seu isolacionismo baseado em especificidades que, supostamente, a diferenciariam do trabalho em geral, no entanto, apontam os vetores de seu desenvolvimento no sentido de outra concepção de arte, que, ao contrário, evidenciaria seu pertencimento ao tecido social, e nos permitiria discuti-la a partir de sua aproximação com a ideia de trabalho.
Seria justo nos perguntarmos se esse movimento implicaria um elogio ou uma crítica à arte, e vice-versa. Seria importante percebermos em que medida o trabalho e a arte se deixam mobilizar nessa tentativa de aproximação. De que traços próprios a arte e o trabalho deverão abrir mão ou que especificidades poderão sustentar? Atritar essas forças de modo a contaminar suas definições, e as práticas por elas expressas, sem promover hierarquias, sem demonizá-las ou idealizá-las; e a partir desse atrito discutir as formas possíveis e atuais de existência do campo ou mundo da arte no mundo social ambiente, é o que interessa nessa proposição.
Uma face dessa proposição passa pela discussão crítica das formas de institucionalização do campo da arte e das relações entre os artistas e demais agentes desse campo com o mercado. Aponta também a necessária popularização do campo da arte como forma de resistência à lógica mercadológica, o que demandaria, inicialmente, a ampliação do acesso às atividades culturais, a apropriação dos espaços culturais pelas pessoas, mas, especialmente, a democratização dos meios de produção artísticoculturais e a invenção de outras institucionalidades. Outra face, se refere à natureza dos próprios trabalhos de arte, à maneira como estes têm sido pensados e desenvolvidos, em grande parte, na atualidade, com ênfase na ideia de projeto e ação, nos quais a arte se abre à colaboração com outros campos e práticas (mobilidade constituinte), em processos caracterizados pela instauração de espaços de indefinição entre esses campos, que são, potencialmente, espaços de invenção de outros métodos (caminhos) de trabalho, e, portanto, de formas de vida e subjetividade.
Dessa maneira, procuramos evidenciar situações em que a arte não é um fim em si, mas é um meio, um método (caminho) de aproximação entre pessoas, grupos, comunidades, cuja relação produz saberes, efeitos e transformações em determinados contextos e territórios, ou seja, um trabalho, uma práxis coletiva, o que indica para o seu desenvolvimento um devir-campo-mundo, em contraposição ao seu devir-
mercado, que nos levaria, à subsunção da arte como ferramenta estratégica nos processos de reprodução do capital. Essas experiências nos falam da ampliação do campo entendido como artístico, e, portanto, de outra concepção de artista, na medida em que operam,
consequentemente, mudanças radicais no seu escopo de trabalho, assim como do trabalho de curadores, pesquisadores, instituições entre outros agentes desse campo. Fundamental no sentido da aproximação entre arte e trabalho, possível a partir de outra concepção de artista e de arte que se desenha na contemporaneidade, é também o entendimento de que, da mesma maneira, o desenvolvimento contemporâneo da ideia e das praticas que entendemos como trabalho apontam para outra concepção de trabalho, o qual podemos chamar de cognitivo ou imaterial. Isso nos permite novamente aproximar as dinâmicas do mundo da arte e do trabalho, porém, a partir de outros paradigmas, diferentes daqueles calcados na produção material ou industrial, que caracterizou o trabalho na modernidade.