O escopo da pesquisa foi analisar as transições nos modos de vida dos “vazanteiros-pescadores” do Médio rio Tocantins causadas pelas barragens “Luiz Eduardo Magalhães (TO)” e “Estreito (TO/MA)”. Os estudos que dão corpo aos capítulos foram realizados sob a égide das abordagens metodológicas, a saber, a observação participante, entrevistas semiestruturadas e não estruturadas, etnografia de arquivos e a ecologia política. Tais abordagens foram cruciais na anotação do contexto geopolítico e especificidades locais alicerçadas na pesca tradicional e na “agricultura de vazante”. Também foram indispensáveis na análise dos conflitos socioambientais, compensações e programas de mitigações. A expressão nominal, “as transições nos modos de vida”, foi usada para explicar os processos de mudanças nos modos de vida local a partir da chegada da barragem. Nossas análises propagam que os danos causados pela implantação de hidrelétricas geram, inerentemente, transições que se perpetuam nas dimensões econômica e sociocultural dos povos situados nas áreas de influência do reservatório. Devido às alterações no curso do rio e na qualidade da água e a implantação da Área de Preservação Permanente-APP, a agricultura de vazante foi suprimida e a prática da pesca artesanal ficou comprometida. A barragem interveio drasticamente nas representações socioculturais, sob as quais, os vazanteiros-pescadores e seus antepassados têm se autossustentados ao longo de cerca de dois séculos e autoidentificados como categoria e como povos tradicionais. Isto serviu de palco para práticas de injustiças e violação a direitos humanos demonstrando a incapacidade da concessionária em lidar com questões sociais atreladas ao barramento. As transições figuradas nos conflitos e resistências se prolongam e se multiplicam à medida que as diferenças sociais não são consideradas e a legislação que garante a participação local nas decisões tomadas não são respeitados. Por um lado, as injustiças sociais e a negligência do Estado diante dos danos causados pela barragem justificam a rejeição local ao empreendimento e o inconformismo com o poder público. Por outro, os conflitos gerados desse inconformismo com ambas entidades serviram como instrumentos de unidade, (re) integração política local e articulação com outras categorias em defesa de seus direitos e reivindicações, o que evidencia o múltiplo papel dos conflitos. A adaptação aos novos atributos culturais, a criatividade em desenvolver novas fontes de sustento e a continuidade de costumes e práticas tradicionais remotas, só reforça a capacidade dos povos tradicionais, sustentados num conjunto de experiências e de conhecimentos etnoecológicos, em resistir as opressões sobre eles e seus territórios. Assim, o tempo da barragem é marcado por negação a direitos, sequência de conflitos, dificuldades no sustento local, maior dependência ao universo urbano e pouca perspectiva. Este tempo representa um tempo de dor, de sofrimento, de fragmentação das forças local. Essas pessoas continuam a luta pelo reconhecimento de suas identidades culturais, por equidade na distribuição dos benefícios e malefícios do barramento, por justiça e pela autonomia em controlar, seus territórios e seu próprio destino.