Introdução: Discussões referentes à obesidade são amplamente divulgadas na literatura científica mundial devido à gravidade do problema. Estudos sobre a observação da dinâmica familiar e estratégias alimentares empregadas pelos pais oferecem informações significativas a respeito do tema ao apontar as atitudes parentais como um dos principais fatores associados ao ganho de peso e ao comportamento obesogênico em crianças. Os resultados dessas investigações oferecem amplas evidências a respeito da importância das estratégias alimentares adotadas pelos pais em relação à alimentação dos filhos, sobretudo aquelas associadas à regulação da qualidade e da quantidade dos alimentos consumidos. Umas das práticas de controle alimentar mais abordadas na literatura é a da restrição. Grande parte das investigações realizadas sobre o tema tem constatado que a restrição alimentar por parte dos pais está relacionada com o excesso de peso infantil e pode a médio prazo acarretar prejuízos à alimentação da criança em relação a seleção, preferências e autocontrole da ingestão dos alimentos, sobretudo ao interferir na sua percepção em relação aos sinais internos de fome e saciedade e na regulação do apetite. É importante ainda ressaltar que a temática das práticas alimentares parentais é escassa na literatura nacional, e, desta forma, o presente estudo visou a contribuir com o conhecimento do assunto na população brasileira.
Objetivo: Investigar a associação entre o uso materno de restrição para controle de peso do filho e as características sociodemográficas, comportamentais, dietéticas e antropométricas dos pais e da criança.
Métodos: Este trabalho avaliou 927 mães de crianças de 2 a 8 anos, matriculadas em escolas privadas da cidade de São Paulo e Campinas. A prática de restrição para controle de peso do filho foi medida por meio da versão brasileira do Comprehensive Feeding Practices Questionnaire e complementada por questões sobre responsabilidade e preocupação materna com a alimentação infantil, além de investigações adicionais sobre características dos pais e da criança. Para análise dos dados, foram realizadas análises descritivas, univariadas e múltiplas.
Resultados: A análise das características maternas revelou alto grau de escolaridade entre a população estudada, sendo que menos de um quarto das mães relatou nível superior incompleto (11,43%) e cerca de um terço apresentou excesso de peso (29,26%). Considerando as características infantis, quase metade das crianças (49,03%) consumiu alimentos ultraprocessados nos sete dias anteriores à coleta da pesquisa e, embora 30% das crianças tenham sido classificadas com peso excessivo, apenas 6% das mães as perceberam como um pouco gorda/gorda. O modelo de regressão logística múltipla revelou que a restrição materna para controle do peso da criança foi independentemente associada com a percepção de que seu filho está um pouco gordo/gordo/muito gordo (OR=4,61, p=0,001), a preocupação quanto ao excesso de peso infantil (OR=2,61, p<0,001) e em relação às características da criança, com o sobrepeso/obesidade/obesidade grave (OR=2,18, p<0,001) e o consumo de alimentos ultraprocessados (OR=1,40, p=0,026).
Conclusão: Embora a restrição alimentar seja uma alternativa das mães para promover hábitos alimentares saudáveis e controlar o peso dos filhos, tal prática pode acarretar prejuízos para a saúde física e emocional da criança, não devendo ser encorajada. Programas de intervenção devem auxiliar na sensibilização dos pais para que estes percebam corretamente o estado nutricional dos seus filhos e devem envolver recomendações que incluam a construção de um modelo de ambiente flexível, em que as crianças sejam incentivadas a participar da escolha dos alimentos consumidos.