O presente trabalho pretende analisar o Testamento Vital em seu fundamento
último, enraizado na dignidade da pessoa e da vida humana, e em seu evidente dilema, a
conciliação da autonomia da vontade com o seu regramento institucional e
constitucional. A dignidade humana é o princípio constitucional norteador de todo o
ordenamento jurídico. Como tal, vale para toda vontade como princípio heterônomo que
pode entrar em conflito com a autonomia das pessoas, especialmente no que diz respeito
às suas diferentes visões e narrativas sobre o que seja a vida boa e a morte digna. Ao
procurar conciliar em si mesmo a heteronomia própria das normas legais e a autonomia
das pessoas, o Testamento Vital emerge como um relevante objeto de pesquisa, cuja
análise abrange aspectos jurídicos, filosóficos e bioéticos. Nessas diversas abordagens, a
pessoa humana emerge, por um lado, como sujeito ativo de sua própria vida, e, por
outro, como sujeito passivo às ações e às decisões alheias à sua própria vontade. Por
isso, a atual pesquisa pretende superar o paradoxo entre o princípio da heteronomia legal
e institucional com o princípio da autonomia da vontade, consolidado na constituição e
integrador da bioética. Pretende ainda que o paciente tenha liberdade e exerça com
dignidade suas decisões sobre seus tratamentos médicos. Para tanto, serão estudados os
preceitos legais do direito à vida e ao Testamento Vital, como um instrumento válido e
eficaz para a autônoma manifestação narrativa da vontade do sujeito sobre sua vida e
morte. Esse, com efeito, ao narrar sua vida futura, projeta-se de forma autônoma como
paciente, antecipando por meio de sua narrativa moral e legalmente válida (isto é, o
Testamento Vital) a forma como espera ser submetido aos procedimentos institucionais
e médicos, que deverão ser observados na hipótese em que não possa mais manifestar
sua própria vontade, principalmente quanto à sua recusa em se submeter a tratamentos
médicos e procedimentos cirúrgicos contrários à sua dignidade. Como parte desse
estudo, as diretivas de antecipação de vontade serão analisadas no direito comparado e
em sua evolução ao longo do tempo, destacando sua adequação às novas ferramentas
tecnológicas de conservação e prolongamento da vida. Tal estudo seria incompleto se
não abordasse a contribuição da antropologia filosófica e da bioética ao direito, na
medida em que protagonizaram o debate sobre a dignidade dos pacientes, orientando
inúmeras questões relacionadas às situações de terminalidade. Por essa razão, a
superação do aparente paradoxo entre a heteronomia e a autonomia da vontade depende
tanto do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como sujeito capaz de agir e
de sofrer, quanto do respeito à sua capacidade de narrar sua própria vida ao longo de sua
existência de forma antecipativa e projetiva. Através da teoria da identidade narrativa da
dignidade do sujeito capaz, espera-se contribuir para a difusão da máxima moral
segunda a qual o Testamento Vital é parte essencial de uma sociedade comprometida
com a proteção e a promoção da vida digna com e para os outros em instituições justas.