Resumo:
Cetáceos são sentinelas do ambiente marinho, atualmente ameaçados por diversos
fatores, principalmente antropogênicos. Os processos de pele e mucosas externas
são os mais facilmente identificados, bons indicadores do estado de saúde em
cetáceos. Lesões cutâneas e mucocutâneas já foram amplamente relatadas em
cetáceos de vida livre e de cativeiro, mas pouco se sabe a respeito dos fatores
etiológicos envolvidos, evolução das lesões dermatológicas e suas consequências
sistêmicas. Vírus são os agentes mais comumente envolvidos em lesões cutâneas e
mucocutâneas, especialmente os herpesvírus (HV), associados a lesões de
morfologias variáveis em mucosas, e poxvírus dos cetáceos (Cetacean Poxvirus –
CePV), principalmente associados a lesões de pele “tatuagem” ou “anel”
características. Agentes fúngicos também podem causar doenças dermatológicas
em cetáceos, como por exemplo a paracoccidioidomicose ceti, caracterizada por
lesões esbranquiçadas elevadas e proliferativas, causada por leveduras nãocultiváveis
de Paracoccidioides brasiliensis (ordem Onygenales). Apesar de
mundialmente reportados, a ocorrência desses agentes etiológicos em cetáceos do
Atlântico Sul ainda é pouco compreendida. O objetivo desse estudo foi identificar e
caracterizar patógenos cutâneos e mucocutâneos selecionados (HV, CePV e P.
brasiliensis) de cetáceos brasileiros de vida livre e desenhar métodos diagnósticos
mais sensíveis para sua detecção. Todos os animais estudados encalharam ao
longo da costa brasileira, entre 2005 e 2015, exceto por três botos-cor-de-rosa que
foram fisicamente imobilizados e liberados após a coleta de amostras. Para atingir
tais objetivos, empregamos técnicas moleculares e histológicas, e ocasionalmente
de imunohistoquímica e microscopia eletrônica. A presença de HV e CePV foi
avaliada, respectivamente, em amostras cutâneas e de mucosa oral e genital de 115
espécimes, e amostras de pele de 113 indivíduos; enquanto a presença de membros
da ordem Onygenales foi avaliada em quatro espécimes que apresentavam lesões
macroscópicas compatíveis. Amostras de pele ou de mucosa oral de quatro animais
foram positivas para a PCR de HV: uma lesão ulcerada de pele de coloração
esbranquiçada de um boto-cinza (Sotalia guianensis), uma amostra de tecido lingual
de um golfinho-pintado-do-Atlântico (Stenella frontalis), lesões ulcerativas e
amostras de pele saudável de um cachalote-anão (Kogia sima), e uma lesão
proliferativa de pele em boto-vermelho-boliviano (Inia boliviensis). Os primeiros três
animais estavam infectados com alphaherpesvirus. Uma sequência mais similar com
gammaherpesvírus foi obtida da lesão proliferativa de pele do boto-vermelhoboliviano.
A sequência do boto-vermelho-boliviano possivelmente pertence a um
novo gênero de gammaherpesvírus. Ademais, todas as outras amostras de tecidos
disponíveis dos espécimes HV-positivos, à parte de pele e mucosa oral, também
foram avaliadas por técnicas de PCR e histológicas. Uma sequência diferente de
alphaherpesvírus foi encontrada no estômago e em um linfonodo mesentérico do
cachalote-anão. Achados microscópicos em dois animais HV-positivos (dermatites
proliferativas em boto-vermelho-boliviano e boto-cinza) eram compatíveis com HV.
CePV foi identificado em lesões de pele do tipo “tattoo” de um golfinho-nariz-degarrafa
(Tursiops truncatus) e de um boto-cinza por meio de técnicas moleculares
estabelecidas, e observação de partículas de poxvírus por microscopia eletrônica.
Animais CePV-positivos apresentavam degeneração balonosa epidérmica e
ocasionais inclusões intracitoplasmáticas anfofílicas ou eosinofílicas compatíveis
com CePV. Motivos aminoácidos específicos para todos os CePVs também foram
identificados, reforçando a sugestão de um novo gênero, chamado
Cetaceanpoxvirus. Nesse estudo também foram desenvolvidas novas técnicas de
PCR convencional e real-time com SYBR® Green, significativamente mais sensíveis
do que os métodos atualmente disponíveis em literatura. Um boto-cinza, inicialmente
negativo segundo os métodos de PCR previamente conhecidos foi diagnosticado
positivo para CePV por meio das novas técnicas aqui descritas. Leveduras
refratáveis (4−9 μm de diâmetro) foram observadas á microscopia sob a forma de
lesões de pele granulomatosas moderadas e necróticas em quatro golfinhos-narizde-
garrafa, e pela primeira vez, em um abscesso muscular (esse último um indício
do potencial invasivo desse agente). Leveduras de Onygenales sp. foram
identificadas em lesões de pele por meio de imunohistoquímica e uma sequência de
P. brasiliensis mais semelhante (100% de identidade de nucleotídeos) áquela
descrita em um gofinho-nariz-de-garrafa de Cuba do que a casos de humanos e
mamíferos descritos no Brasil, foi encontrada em lesões de pele de um dos
espécimes. Esse estudo relata a primeira identificação molecular de HV em cetáceos
da América do Sul e em golfinhos de rio no mundo. Além disso, descrevemos a
primeira amplificação de CePV e P. brasiliensis em odontocetes da América do Sul,
confirmando a etiologia desse tipo de lesões. Quatro das cinco novas sequências de
HV identificadas são possivelmente novas espécies, provisoriamente chamadas
Delphinid HV-10, Kogiid HV-2, Kogiid HV-3 e Iniid HV-1.
Abstract:
Cetaceans are sentinels of the marine environment, currently threatened by
many factors, mainly anthropogenic. The most easily identified compromising
conditions are those affecting the skin and external mucosae - good indicators of the
cetacean’s health status. Cutaneous and mucocutaneous lesions have been
extensively reported in wild and captive cetaceans, but little is known about the
involved etiological factors, evolution of the dermatological lesions and their systemic
consequences. Viruses are the most commonly involved agents in cutaneous and
mucocutaneous lesions, especially herpesviruses (HV) and, associated with skin and
mucosal lesions with varying morphologies, and cetacean poxviruses (CePV), mainly
associated with characteristic “tattoo” or “ring” skin lesions. In addition, fungal agents
are also recognized as causative agents of dermatological disease in cetaceans,
especially in the process known as paracoccidioidomycosis ceti, observed as raised
proliferative whitish lesions, caused by non cultivable yeast of Paracoccidioides
brasiliensis (order Onygenales). Despite being reported worldwide, the occurrence of
these etiological agents in southern Atlantic cetaceans is still poorly understood. The
goal of this study was to identify and characterize selected cutaneous and
mucocutaneous pathogens (HV, CePV and P. brasiliensis) of free-ranging cetaceans
from Brazil, and to design more sensitive diagnostic methods for their detection. All
the studied cetaceans stranded along the coast of Brazil, between 2005 and 2015,
except three wild riverine dolphins that were physically contained and released after
sample collection. In order to achieve our goals, we employed molecular,
histopathological, and occasionally immunohistochemical and electron microscopy
techniques. The presence of HV and CePV was evaluated in cutaneous, and oral
and genital mucosal samples from 115 specimens and skin samples from 113
individuals, respectively; whereas the presence of members of the genus
Onygenales sp. was evaluated in four specimens presenting macroscopic compatible
lesions. Skin or oral mucosal samples from four animals were HV PCR-positive: a
whitish ulcerated skin lesion from a Guiana dolphin (Sotalia guianensis), a lingual
sample from an Atlantic spotted dolphin (Stenella frontalis), ulcerative lesions and
healthy skin samples from a dwarf sperm whale (Kogia sima), and a proliferative skin
lesion from a Bolivian river dolphin (Inia boliviensis). The tree first animals were
infected with alphaherpesvirus. A sequence more similar to gammaherpesvirus was
obtained from the Bolivian river dolphin’s proliferative skin lesion. The Bolivian river
dolphin sequence could possibly be a member of a new gammaherpesvirus genus.
Additionally, all other available tissue samples from HV-positive specimens, aside
from skin and oral mucosa, were also tested by PCR and histologically evaluated. A
different alphaherpesvirus sequence was found in the stomach and in a mesenteric
lymph node of the dwarf sperm whale. Microscopic findings in two HV-positive
animals (chronic proliferative dermatitis in Bolivian river dolphin and Guiana dolphin)
were compatible with HV. CePV was identified in “tattoo” skin lesions of an Atlantic
bottlenose dolphin and a Guiana dolphin by established molecular methods, and
poxviral particles were observed by electron microscopy. CePV-positive animals
presented epidermal ballooning degeneration and occasionally small, pale
eosinophilic or amphophilic intracytoplasmic inclusions, compatible with CePV.
Specific amino acid motifs for all CePV were also identified, reinforcing the
suggestion of the new Cetaceanpoxvirus genus. We also designed novel SYBR®
Green real-time and conventional CePV PCR methods significantly more sensitive
than those currently available in the literature. An additional Guiana dolphin,
previously negative based in established PCR methods was diagnosed positive for
CePV through these new techniques. Refractile yeasts (4−9 μm in diameter) were
observed under light microscopy in mild granulomatous and necrotic skin lesions of
four Atlantic bottlenose dolphin, and for the first time, in a skeletal muscle abscess
(the former possibly indicating the invasive potential of the agent).Onygenales sp.
yeasts were identified in skin lesions by immunohistochemistry and a sequence of P.
brasiliensis, more similar (100% nucleotide identity) to the one described in an
Atlantic bottlenose dolphin from Cuba than to human or any other terrestrial
mammals cases in Brazil, was obtained from the skin lesion of one of the specimens,
confirming the etiological agent of these type of lesions. Herein we report the first
molecular identification of HV in South American cetaceans and in riverine dolphins
worldwide. This study also describes the first amplification of CePV and P.
brasiliensis in odontocetes from South America. Four of the five novel herpesvirus
sequences herein identified are possibly novel species, tentatively named Delphinid
HV-10, Kogiid HV-2, Kogiid HV-3 and Iniid HV-1.