Esta dissertação discorre sobre o fenômeno conhecido como automutilação.
Trata-se de uma prática usualmente ligada a pessoas jovens, majoritariamente
adolescentes, e do sexo feminino, que têm como uma de suas características o
fato de as pessoas ocultarem seus sinais. Silenciada no cotidiano presencial, a
automutilação, entretanto, é visível e presente nas redes sociais, especialmente
no Whatsapp. A pesquisa aqui apresentada acompanhou este fenômeno, a partir
da inserção do seu pesquisador em diversos grupos de Whatsapp e, em menor
medida, do Facebook. A automutilação tem um aspecto de anti-estrutura, de
anomia. A conduta de se cortar é representada até em música como uma “saída
de emergência”. Um automutilador pode passar semanas sem se cortar e, por
algum motivo voltar a se ferir numa sequência superior à anterior ou ainda pode
ser coagido a deixar de se cortar, pode fazer terapia, substituir a automutilação
por alguma outra conduta, entre outras atitudes. Tentar fazer um quadro estático
sobre automutilação não parece uma atitude aconselhável, visto que quem se
corta está frequentemente flertando com a instabilidade, fuga, desespero, apelo
ao prazer, etc. O que se pode esperar de um grupo de Whatsapp para pessoas
que praticam automutilação? Há um grupo de pessoas que estão fugindo de uma
série de socialidades outras que não as comportam. Afirmei que as pessoas com
as quais convivi estão fugindo de várias socialidades, muito embora eles se
refiram e vejam “a sociedade” como uma vilã. Nos grupos de Whatsapp para
pessoas que se cortam eu vejo um espaço de refúgio, onde o que garante a
aceitação é a condição de igualdade frente a automutilação. Nesses espaços as
pessoas se apresentam e se representam de uma forma diferente daquela
quando estão fora do grupo. Nesses grupos os automutiladores estão
inventando sua socialidade por meio de sua agência, uma agência que ensaio
chamar de difusa ou negativa pelo próprio fato de, nas suas representações, os
automutiladores geralmente associarem sua prática ao suicídio, ao sofrimento,
entre outras aflições.