Os objetivos gerais desta tese foram: (i) determinar o perfil etiológico e molecular da mastite
clínica (MC) em 20 rebanhos leiteiros do Sudeste do Brasil; e, (ii) quantificar os
antimicrobianos usados para tratamento da MC na população estudada. Para alcançar esses
objetivos, quatro estudos foram realizados. No Estudo 1, foi caracterizada a frequência de
patógenos causadores de MC e a gravidade das infecções nos rebanhos leiteiros. Além disso,
foi determinada a taxa de incidência de mastite clínica (TIMC) e sua associação com as
seguintes variáveis em nível de rebanho: contagem de células somáticas em leite de tanque
(CCSLT), contagem bacteriana total em leite de tanque (CBTLT), tamanho (número de vacas
em lactação), produção de leite, sistema de alojamento e estação do ano. A associação entre as
variáveis em nível de rebanho e a TIMC foi determinada por dois grupos de modelos de
regressão logística multivariada: um baseado na TIMC geral, e cinco baseados nos seguintes
grupos específicos de patógenos: contagiosos, outros Gram-positivos, Gram-negativos, outros
patógenos (composto de leveduras e Prototheca spp.), e cultura negativa. Um total de 5.957
casos de MC em nível de quarto mamário foi registrado e os patógenos mais prevalentes foram
Escherichia coli (6,6% de todas as culturas), Streptococcus uberis (6,1%), e Streptococcus
agalactiae (5,9%). A maioria dos casos de MC foi de gravidade leve (60,3%), enquanto 34,1%
dos casos foram moderados e 5,6% foram graves. A TIMC geral foi de 9,7 casos por 10.000
quartos-dia em risco (QDR), e o único parâmetro em nível de rebanho associado com a TIMC
geral foi a CCSLT, em que a TIMC mais alta foi observada em rebanhos com CCSLT >600.000
× 10 3 células/mL. Nos modelos que avaliaram os grupos específicos de patógenos, a TIMC de
patógenos contagiosos foi associada com a CCSLT, produção de leite e sistema de alojamento.
Na avaliação de outros patógenos Gram-positivos, a TIMC foi maior na estação chuvosa de
2015 em comparação com as outras categorias referentes à estação do ano. Adicionalmente,
para o modelo avaliando o grupo de patógenos Gram-negativos, a TIMC foi mais alta em
rebanhos com CBTLT >30.000 × 10 3 ufc/mL. O Estudo 2 teve como objetivo caracterizar o
perfil de tratamento e o consumo de antimicrobianos em rebanhos leiteiros; e determinar a
associação de uso de antimicrobianos (UAM) e as mesmas variáveis em nível de rebanho
descritas no Estudo 1. Dados sobre as práticas terapêuticas e UAM foram obtidos de 19
rebanhos leiteiros durante um período de 12 meses por rebanho. A frequência de UAM para
tratamento da MC foi quantificada mensalmente em unidades de doses definidas diárias (DDD)
e expressa como incidência de tratamento antimicrobiano (ITA: número de DDD por 1.000
vacas em lactação-dia). A média de ITA mensal foi de 17,7 DDD por 1.000 vacas em lactação-
dia (15,4 para compostos intramamários, e 2,2 para compostos sistêmicos). Entre os produtos
intramamários, os aminoglicosídeos tiveram a ITA mais alta (11,7 DDD por 1.000 vacas em
lactação-dia), enquanto que para os compostos administrados pela via sistêmica, as
fluoroquinolonas (4,2 DDD por 1.000 vacas em lactação-dia) foram os antimicrobianos mais
frequentemente usados. O tamanho do rebanho e CCSLT foram positivamente associados com
a ITA. Além disso, a ITA foi mais alta em rebanhos com freestall do que em rebanhos com
sistema tipo compost barn. No Estudo 3, determinou-se a filogenia de cepas de E. coli isoladas
de casos de MC em vacas leiteiras, e a associação dos filogrupos mais frequentes com a
susceptibilidade aos antimicrobianos. Um total de 100 isolados de E. coli identificados nos
casos de MC descritos no Estudo 1 foram categorizados de acordo com os grupos filogenéticos
por meio de um método de PCR quadruplex; o perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos
também foi avaliado. A maioria dos isolados pertenceram ao grupo A (52%), seguido dos
grupos B1 (38%), B2 (2%), C (4%), D (3%), e E (1%). Foram encontrados isolados resistentes
para todos os antimicrobianos avaliados. De forma geral, mais de 96% dos isolados de E. coli
foram resistentes a ampicilina, e mais de 23% foram resistentes a cefalotina, sulfadimetoxina
ou tetraciclina. Altos níveis de resistência (>70%) foram encontrados também para
eritromicina, oxacilina, penicilina e penicilina associada a novobiocina. Ao contrário, foi
observado alta susceptibilidade ao ceftiofur (96.8%) entre os isolados de E. coli. Diferenças na
susceptibilidade entre os grupos filogenéticos foi observada apenas para a cefalotina, em que
os isolados de E. coli pertencentes ao filogrupo A foram inibidos em concentrações de
antimicrobianas mais baixas que isolados pertencentes ao filogrupo B1. No Estudo 4, avaliou-
se a diversidade genotípica entre isolados de Strep. agalactiae e Strep. uberis identificados em
casos de MC em vacas leiteiras; adicionalmente, o estudo avaliou a associação dos genótipos
agrupados de acordo com a similaridade genética com o perfil de susceptibilidade aos
antimicrobianos. Os isolados foram genotipados por meio do método de amplificação
randômica de DNA polimórfico (RAPD). Grande diversidade genotípica foi observada tanto
para o Strep. agalactiae (45 subtipos de 89 isolados) quanto para Strep. uberis (56 subtipos de
89 isolados). Para a avaliação de susceptibilidade aos antimicrobianos, os subtipos de Strep.
agalactiae foram agrupados em três clusters (Ia, Ib e II), enquanto que os subtipos de Strep.
uberis foram agrupados em dois clusters (I e II) de acordo com a similaridade genética. De
forma geral, os isolados de Strep. agalactiae apresentaram alta susceptibilidade à maioria dos
antimicrobianos, exceto para tetraciclina e eritromicina. Diferenças na susceptibilidade aos
antimicrobianos entre os clusters de Strep. agalactiae foram observadas para ampicilina,
ceftiofur, eritromicina, pirlimicina, sulfadimetoxina e tetraciclina. Por outro lado, os isolados
de Strep. uberis foram resistentes à maioria dos antimicrobianos, exceto para cefalotina e
penicilina + novobiocina. Não foram encontradas diferenças entre os clusters para todos os
antimicrobianos na análise de Strep. uberis. Em conclusão, os resultados desta tese indicaram
alta TIMC nos rebanhos avaliados, e apesar de os patógenos ambientais serem a causa mais
comum de MC nestes rebanhos, patógenos contagiosos como Strep. agalactiae e Staph. aureus,
ainda são uma preocupação em alguns rebanhos do Brasil. Além disso, observaram-se altas
frequências de UAM e de terapias não recomendadas em bula entre os rebanhos avaliados. O
uso não judicioso de antimicrobianos pode se tornar um fator de risco para o desenvolvimento
da resistência bacteriana aos antimicrobianos, o que foi inclusive observado para isolados
pertencentes as três espécies bacterianas mais prevalentes nos casos de MC no nosso estudo (E.
coli, Strep. agalactiae e Strep. uberis). Finalmente, pelo fato de algumas variáveis em nível de
rebanho terem sido associadas com a TIMC e com o UAM em nosso estudo, é possível que
hajam oportunidades para implementação de estratégias de manejo com o objetivo de melhorar
o controle da MC em rebanhos leiteiros do sudeste do Brasil.