Estudos epidemiológicos mostram uma forte correlação entre diabetes e o risco aumentado de desenvolver diferentes tipos de câncer. Diabetes e câncer compartilham fatores de risco em comum como idade, obesidade, dieta e
sedentarismo, e mecanismos biológicos que possivelmente associam ambas as doenças incluem hiperinsulinemia, hiperglicemia e inflamação. Contudo, faltam estudos experimentais que corroborem essa associação. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito in vitro e in vivo de um ambiente hiperglicêmico no desenvolvimento do adenocarcinoma de mama murino 4T1 e melanoma murino B16F10-Nex2.
Células 4T1 e B16F10-Nex2 foram inoculadas, respectivamente, em camundongos BALB/c e C57BL/6, onde a hiperglicemia foi previamente induzida por estreptozotocina. Observou-se maior desenvolvimento do tumor primário e um número de nódulos pulmonares aumentados nos animais hiperglicêmicos inoculados com células 4T1, que também apresentaram menor sobrevida, e o tratamento dos animais com metformina, um hipoglicemiante, reduziu o desenvolvimento do tumor primário. Não foram encontradas diferenças significativas in vitro na proliferação,
migração, e na produção de óxido nítrico, de citocinas e de moléculas pró-angiogênicas por células 4T1 cultivadas em altas concentrações de glicose. Animais imunodeficientes normo ou hiperglicêmicos inoculados com células 4T1 não apresentaram diferenças no desenvolvimento do tumor primário e metástases,indicando que componentes do sistema imune adaptativo são responsáveis pelo aumento do crescimento tumoral. Animais hiperglicêmicos inoculados com células 4T1 apresentaram um aumento de IL-10 e de linfócitos T reguladores no microambiente tumoral, assim como um aumento de IL-10 e de anticorpos tumor específicos no soro. A depleção de linfócitos T CD4+ ou T CD8+
reduziu o desenvolvimento tumoral neste modelo. Animais C57BL/6 hiperglicêmicos inoculados subcutaneamente com células B16F10-Nex2 apresentaram maior desenvolvimento do tumor primário, diminuição da sobrevida e o tratamento com metformina reduziu o desenvolvimento do tumor. As células B16F10-Nex2 cultivadas em altas concentrações de glicose in vitro apresentaram aumento da secreção de IL-10 que, por sua vez, foi responsável por um efeito pró-angiogênico in vitro. Animais imunodeficientes hiperglicêmicos foram inoculados com células B16F10-Nex2, e
somente os animais deficientes em TLR4 apresentaram desenvolvimento tumoral semelhante aos seus pares normoglicêmicos, sugerindo a participação de células que expressam esse receptor no efeito observado. Macrófagos intratumorais produtores de óxido nítrico estão em maior número no tumor primário de animais C57BL/6 hiperglicêmicos, a depleção dos macrófagos levou a uma redução do desenvolvimento tumoral e a transferência de macrófagos de animais C57BL/6 hiperglicêmicos para animais TLR4-/-hiperglicêmicos levou ao aumento do
desenvolvimento tumoral nestes últimos. Camundongos C57BL/6 hiperglicêmicos tratados com L-NAME, um inibidor das isoformas das sintases de óxido nítrico, apresentaram diminuição do desenvolvimento tumoral e aumento da sobrevida, indicando a participação de macrófagos e do óxido nítrico no maior desenvolvimento tumoral de células B16F10-Nex2 em condições de hiperglicemia in vivo. Nossos resultados sugerem que existe uma associação entre hiperglicemia e desenvolvimento tumoral, mas o mecanismo envolvido nessa associação depende do tumor analisado. No modelo de adenocarcinoma de mama murino 4T1, o maior desenvolvimento tumoral em condições de hiperglicemia ocorre devido à participação da resposta imune adaptativa do hospedeiro, enquanto que no modelo de melanoma murino B16F10-Nex2 o maior desenvolvimento do tumor em condições de hiperglicemia depende do óxido nítrico produzido pelos macrófagos infiltrantes do tumor, juntamente com a maior produção de IL-10 pelas células B16F10-Nex2.