Os estudos sobre aquisição de linguagem têm recebido contribuições importantes nestas últimas décadas, dentre eles ressaltamos o da Multimodalidade (McNeill, 2000, 2006 e Kendon, 2000) e das Cenas de Atenção Conjunta de Tomasello (2003). Paralelamente ao desenvolvimento desses estudos, vemos crescer, na sociedade, a preocupação com a preservação das línguas de grupos minoritários, bem como a necessidade de conhecer e respeitar a forma como se dá a aquisição da linguagem para estes grupos. Dentro dessa perspectiva, este trabalho, que se insere no campo interacionista, tem como objetivo refletir sobre a entrada da criança cigana na língua a partir de seu contexto cultural, atentando para recursos verbais e não verbais emergentes em cenas de Atenção Conjunta que ocorrem entre adulto-criança em situação de interação naturalística. Metodologicamente, optamos por um estudo de campo de caráter qualitativo e longitudinal com duração de oito meses. O corpus foi constituído a partir de dezesseis filmagens de cenas de interação entre adultos e uma criança em uma comunidade cigana que faz uso do português e do chib de calon. Teoricamente, nos apoiamos, entre outros, em Bakhtin (2011, 2014), para defendermos uma concepção dialógica de língua, bem como na ideia de que gesto e fala compõe uma única matriz de significação conforme aponta McNeill (2000, 2006), Kendon (2000), também nos fundamentamos em autores como Calbris (2011) e Kita (2009) que defendem que há uma estreita relação entre gesto e cultura. E, para o conceito de Atenção Conjunta, numa perspectiva proposta por Tomasello (2003) enquanto locus privilegiado para observar a materialização de uma instância dialógica e multimodal de língua. A hipótese que norteou esse estudo diz que os enunciados proferidos por crianças ciganas, certamente, apresentam, em relação aos aspectos verbais e gestuais, singularidades em interações naturais de trocas comunicativas entre adulto e criança em fase de aquisição da linguagem. Os dados analisados nesse trabalho apontam para a presença de singularidades nos enunciados ditos pela criança e mostram que sua subjetividade vai sendo construída com base numa coletividade calon sempre em oposição à sociedade juron, a qual é compartilhada entre seus pares e adquirida pela criança na interação através da linguagem. Nestes enunciados notamos traços tanto da língua portuguesa quanto do chib de calon, bem como a presença de gestos emblemáticos culturalmente convencionalizados na cultura cigana, como o uso do gesto específico para a ação de tomar ‘banho’ e o uso do apontar não convencional nomeado de dêitico ideológico, acionado para indicar um ‘não-cigano’ marcando, dessa forma, um discurso social e historicamente construído. Assim, esperamos que essa pesquisa possa trazer contribuições para a área da Linguística, mais especificamente sobre o tema “Aquisição da linguagem por crianças ciganas”..