Fundamentos: Antraciclinas são drogas quimioterápicas efetivas no tratamento do câncer, porém, apresentam forte associação com complicações cardíacas (cardiotoxicidade) precoces ou tardias. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) pela ecocardiografia bidimensional é o método recomendado para o diagnóstico de cardiotoxicidade. O “strain” bidimensional longitudinal global do ventrículo esquerdo (SBLGVE) obtido através da ecocardiografia por “speckle tracking” (EST) parece ter alta sensibilidade. O objetivo do presente estudo foi analisar e comparar a função global e segmentar do ventrículo esquerdo com a ecocardiografia convencional e com “strain” bidimensional longitudinal do ventrículo esquerdo em pacientes longo tempo após o tratamento de osteossarcoma.
Métodos: Sobreviventes de osteossarcoma tratados durante a infância ou adolescência com doxorrubicina ou epirrubicina, conforme protocolos de tratamento vigentes na época, e um grupo de controles saudáveis, participaram do estudo com avaliações clínica e ecocardiográfica convencional e com SBLGVE. Os pacientes foram subdivididos em subgrupo 1, com FEVE normal ( 53%), e subgrupo 2, com FEVE < 53% (anormal). O SBLGVE foi analisado pela técnica de “speckle tracking” e foi considerado
normal se -18,9% (valores, matematicamente, mais negativos). A análise segmentar do ventrículo esquerdo foi realizada com ”strain” pela mesma técnica. Os dados foram analisados e comparados com testes paramétricos e não paramétricos, conforme apropriado; considerou-se significante os valores de p < 0,05.
Resultados: 26 pacientes (26,2 ± 5,6 anos; 13 do sexo feminino) e 13 controles foram incluídos no estudo. O tempo médio após o final do tratamento foi de 9,9 ± 2,9 anos e a dose cumulativa média da doxorrubicina foi de 347 ± 39,6 mg/m². Apenas 1 paciente incluído no estudo (3,85%) foi tratado com epirrubicina (Estudo III), tendo sua dose cumulativa total convertida para a equivalência com a doxorrubicina, conforme orientação do Children’s Oncology Group Guidelines. Vinte pacientes foram classificados no subgrupo 1, e 6 no subgrupo 2. O SBLGVE foi menor nos subgrupos 1 (-17,6 ± 2,8%) e 2 (-14,5 3,9%) comparados com o grupo controle (-20,4 1,9%) (p < 0,01). Em todos os 26 pacientes, a proporção de diagnóstico de cardiotoxicidade aumentou de 6/26 (23%), apenas com a análise da FEVE, para 17/26 (65%), quando adicionado o SBLGVE. Os segmentos regionais basais das paredes septal, septal anterior e inferior foram os mais frequentemente acometidos pois tiveram valores de ”strain” anormalmente mais altos (matematicamente, menos negativos) que os demais segmentos das mesmas paredes.
Conclusões: anos após o tratamento de osteossarcoma com antraciclinas, os pacientes apresentaram diminuição do ”strain”, apesar da FEVE normal, o que, possivelmente, representa uma situação de cardiotoxicidade oculta. Alguns segmentos miocárdicos do ventrículo esquerdo foram mais frequentemente acometidos.