Objetivo: Avaliar a epidemiologia das crianças operadas de catarata em um centro de referência no estado de São Paulo, Brasil, assim como avaliar tempo de demora para o diagnóstico de catarata, teste do reflexo vermelho como auxílio diagnóstico mais precoce em bebês com catarata congênita, identificar a morfologia das cataratas operadas, assim como as técnicas cirúrgicas empregadas. Materiais e
Métodos: Foi realizado um estudo transversal observacional de 2012 a 2015, no Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da UNIFESP. Participaram deste estudo um total de 180 crianças com catarata, que tiveram os seguintes dados coletados: identificação, número do registro hospitalar, data de nascimento, sexo, olho operado, data do primeiro atendimento, principal queixa pela qual a criança
procurou nosso serviço, se foi realizado o TRV, antecedentes pessoais, oculares e familiares, presença de estrabismo e nistagmo, morfologia da catarata à biomicroscopia, data da cirurgia e tipo de cirurgia realizada. Os dados foram analisados descritivamente. Para as variáveis categóricas foram apresentadas
frequências absolutas e relativas e para as variáveis numéricas, medidas-resumo(média, quartis, mínimo, máximo e desvio padrão). Resultados: Foram analisadas as informações de 243 olhos operados de 180 crianças portadoras de catarata. Observaram-se participações similares entre meninos e meninas (p=0,062). As crianças operadas, em média, foram atendidas pela primeira vez aos 49,9 meses de
idade (DP=52,7 meses), a média de idade na cirurgia nas crianças foi de 65,4 meses(DP=57,8 meses) – pouco mais de 5 anos. A mediana da idade na cirurgia foi de 55 meses. Além disso, o tempo médio entre o diagnóstico e cirurgia foi de 14,9 meses (DP=19,1 meses). Notou-se distribuições similares por faixa etária no momento da cirurgia (p=0,519). Nos bebês operados até 1 ano de idade, verificou-se que a
lateralidade (uni ou bilateral) foi semelhante (p=1,000). Um terço das crianças com até 1 ano no momento da cirurgia não apresentaram informações sobre realização do TRV. Dentre aquelas que realizaram o TRV, 28,0% (IC95%=[12,1%; 49,4%]) apresentaram resultados alterados. A média do tempo até a cirurgia em olhos dos bebês foi de 5,6 meses (DP=3,2 meses). Analisando-se o tempo até a cirurgia em olhos de crianças que realizaram o TRV, não se verificou diferenças de médias entre aqueles que apresentaram resultados normais ou alterados (p=0,926). Vinte por cento das crianças possuem história familiar de catarata, 11,9% foram prematuras e 9,5% apresentavam Síndrome de Down. Com relação a antecedentes
oftalmológicos, a cirurgia prévia foi a de maior ocorrência (16,4%), seguida por alterações do segmento anterior e estrabismo (pouco mais de 9%). Ao exame oftalmológico, cerca de 24,2% das crianças apresentaram nistagmo e 20,3%, estrabismo. Os quatro tipos morfológicos de catarata mais frequentes foram: total (29,1%), lamelar (22,0%), nuclear (16,5%) e subcapsular posterior (15,5%). Os encaminhamentos dentro do próprio Departamento de Oftalmologia (47,1%) foram os principais achados, seguido por leucocoria (25,8%), segunda maior porcentagem. Os principais procedimentos cirúrgicos realizados foram lensectomia 23G (22,5%) e FACO+ implante de lente intraocular (LIO) no saco capsular (21,2%). Conclusão: As crianças operadas apresentaram acometimento semelhante entre os sexos, foram
atendidas com a idade de 4 anos e operadas aos 5 anos. Quanto às possíveis etiologias, neste grupo, podemos destacar: hereditariedade, Síndrome de Down, história de prematuridade, infecções e trauma. Não notamos nenhuma preferência com relação à lateralidade nos bebês (< 12 meses) operados. O nistagmo esteve presente em muitas crianças, demonstrando o diagnóstico tardio de casos congênitos. O diagnóstico e tratamento precoces, dois pontos fundamentais na recuperação visual das crianças, apresentaram algumas falhas. Mesmo sendo obrigatório o TRV nas maternidades do estado de São Paulo, a maioria dos bebês
atendidos estava sem informação sobre a realização do mesmo e, nos bebês em que o teste havia sido realizado, a grande maioria dos resultados estava descrita como normal. Medidas de conscientização e treinamento dos profissionais de saúde devem ser adotadas para permitir que os bebês com catarata sejam identificados, melhorando assim as chances de atingir uma boa acuidade visual quando tratados.
Programas de educação das gestantes/pais também têm seu papel importante no diagnóstico precoce, uma vez que a leucocoria foi a principal queixa que os levaram a procurar assistência. Não se demonstrou estatisticamente que os bebês triados com o TRV foram operados mais precocemente dos que os que não haviam sido examinados. Os principais fatores envolvidos no atraso do tratamento podem ser a dificuldade de referenciamento e a grande quantidade de pacientes no sistema público. Uma medida recentemente adotada pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo visa organizar e encaminhar os casos alterados de acordo com a região em que a criança nasceu, podendo assim agilizar a chegada dos bebês nos centros públicos de referência. Investimentos nas áreas de saúde, com a contratação de profissionais qualificados e a construção de centros especializados agilizariam e tornariam o tratamento acessível a um maior número de crianças. Nossa preferência para bebês (menores de 12 meses) ainda é a extração da catarata, sem implante de LIO com técnicas minimamente invasivas e para crianças acima de 1 ano, a
correção da afacia acontece com o implante da LIO no mesmo momento cirúrgico.