O presente trabalho teve como objetivo principal, se fazer, no método da síntese de peptídeos em fase sólida (SPFS), uma reavaliação da estratégia do uso do ácido trifluorometanosulfônico (TFMSA) na etapa da clivagem final de peptídeos da resina de suporte. A principal razão para se investir neste tema se deve à grande dificuldade de operacionalização que ocorre com o método mais convencional usado na química Boc (tert-butiloxicarbonila) que é o da clivagem em HF anidro. Por ser tóxico, extremamente corrosivo, necessita de equipamento importado feita com teflon especial, de difícil manuseio e que atualmente no Brasil, está inviável de ser utilizado em função da inexistência de uma empresa química que produza este ácido. E a opção pela importação (em cilindros especiais de aço inoxidável) se mostrou até o momento impraticável. Neste contexto, o estudo deste método alternativo de clivagem com o ácido forte TFMSA já havia sido iniciado preliminarmente em nosso laboratório há alguns anos e havíamos observado que, além de se avaliar a eficiência do método da clivagem em termos da pureza do material clivado, era fundamental a determinação quantitativa desta etapa idealmente com a remoção integral de todas as cadeias presas da matriz da resina e dos grupos protetores das cadeias laterais reativas de aminoácidos.
Resolvemos deste modo, investigar com mais detalhes, a clivagem em TMFSA. Sucintamente, observamos que uma mistura composta por TFMSA:TFA:DMS:o-cresol, na proporção 20:70:5:5 (v/v), pareceu ser apropriada para a remoção integral de cadeias peptídicas, mesmo as que contêm aminoácido hidrofóbicos presos à resina e que havíamos demonstrado serem de difícil clivagem em função da alta estabilidade da ligação covalente entre os mesmos e a resina em meio ácido. O protocolo acima mencionado com 20% de
Resumo
15
TFMSA em solução se mostrou mais eficiente se comparado às soluções da literatura que empregam este ácido em quantidades sempre ao redor de 10%. Por outro lado, estudos cinéticos de clivagem com TFMSA mostraram também que a 8ºC (em câmara fria), o tempo necessário para a clivagem peptídica integral era de 6 h. Estudos preliminares da eficácia de síntese entre a tradicional química Boc (terc-butiloxicarbonila) e a alternativa Fmoc (9-fluorenilmetiloxicarbonila), indicaram a influência da sequência peptídica nesta comparação entre estas duas técnicas de síntese. O uso da mistura mencionada contendo 20% (v/v) de TFMSA felizmente também se mostrou viável para uso (como no caso com HF anidro), nos casos de clivagens de peptídeos contendo compostos marcadores de spin, do tipo aminoácido como o conhecido composto Toac (ácido 2,2,6,6-tetrametilpiperidina-1-oxil-4-amino-4-carboxílico). Não se observou degradação irreversível com estes tipos de compostos paramagnéticos contendo grupamentos nitróxidos durante o tratamento neste meio ácido forte.
Além disto, a importante investigação do grau de labilidade de alguns grupos protetores de cadeias laterais de aminoácidos de sequências peptídicas foi desenvolvida e indicou, por exemplo, que o grupo Nα- Fmoc é removido surpreendentemente neste meio ácido de clivagem com TFMSA. O grupo p-toluenosulfonila (Tos), protetor da Arg, se mostrou também susceptível à remoção total neste meio ácido, ao contrário do grupo formila (For) do Trp, que se manteve estável frente à reação de desproteção. Nesse caso, testamos alternativamente com sucesso, a clivagem desse grupo protetor de anel indólico, via tratamento prévio da peptidil-resina em 4-metilpiperidina, seguida da clivagem na condição padrão de 20% TFMSA.
O último e mais problemático item examinado envolveu um estudo mais criterioso da reportada ocorrência de reação de uma ciclização envolvendo a cadeia lateral da Asp nesta
Resumo
16
condição ácida resultando num anel succinimídico, o que leva a um contaminante com peso molecular 18 Da menor (eliminação de uma molécula de água) que a massa molecular esperada para o peptídeo de interesse. Estudos iniciais deste item, efetuados com o peptídeo hipertensor AII e seu derivado Gly8-AII, indicaram que na mistura padrão de clivagem empregada (de 20% TFMSA por 6 h a 8ºC), a porcentagem encontrada deste subproduto contendo o resíduo de Asp-succinimida foi de cerca de 14% em comparação com os peptídeos nativos.
Deste modo, dentre os diversos itens que necessitarão de continuidade, este é um dos mais amplos, com possibilidade de alterações de inúmeros parâmetros durante a etapa de clivagem ácida, incluindo-se alteração não somente da composição da mistura ácida, mas também da temperatura e do tempo desta etapa hidrolítica. De qualquer modo, o presente estudo, baseado em experimentos com diversos tipos de sequências peptídicas indicou a viabilidade do uso da mistura TFMSA:TFA:DMS:o-cresol na proporção 20:70:5:5 (v/v), a 8ºC em 6 h, como protocolo a ser empregado na química Boc-SPFS, em substituição ao processo de clivagem tradicional em HF anidro. A importância deste fato deve ser enfatizada, pois o método de clivagem com TFMSA é bem mais simples, prático e comparativamente com maior potencial para síntese em escala bem maior, devido à possibilidade de uso de frascos e balões de volumes bem maiores, se comparados aos frascos de teflon de tamanho restrito utilizados no protocolo de clivagem peptídica em HF anidro.