Essa tese analisa como as pessoas trans dão sentido a sua experiência de subjetivação, ou seja, como constroem explicações acerca de si, do outro e do mundo, levando-se em consideração as dimensões envolvidas no seu desenvolvimento psicológico. Assim, a pesquisa foi realizada a partir das narrativas e das argumentações de pessoas que vivenciam a experiência da transgeneridade e da transexualidade, com foco em processos de autorreflexividade e de autorregulação psíquica diante da experiência. A perspectiva pós-estruturalista de M. Foucault, G. Deleuze e J. Butler fornecem instrumentos conceituais para pensar como as subjetividades têm sido produzidas no espaço-tempo contemporâneo. Pode-se dizer que a construção do saber acerca das experiências trans está imersa numa série de aparatos técnico-discursivos que visam ditar uma verdade sobre quem é e como deveria viver. Nesse sentido, o objetivo é tecer um diagnóstico contemporâneo dos regimes de verdade existentes no dispositivo da transexualidade que, inclusive, está presente nas práticas e nos discursos psicológicos, e historicamente tem incitado e formado determinadas práticas de produção de sujeitos. A constituição das subjetividades está relacionada ao modo como o dispositivo da transexualidade, como um regime discursivo de poder-saber, também se reproduz nas práticas de subjetivação de sujeitos trans. Por outro lado, na contemporaneidade, há a emergência de sujeitos políticos que se articulam coletivamente e propõem novas possibilidades de reconhecimento social e de cidadania. Todo o percurso teórico e metodológico baseou-se cartografia, com o desenvolvimento da política da escrita enquanto poiesis para acompanhar os campos de força e a processualidade da investigação. Além disso, a análise de dispositivos e de seus desdobramentos, em analisadores, revelou-se essencial, como, por exemplo, as políticas da amizade observadas durante a prática de pesquisa com as/os participantes. A investigação empírica foi realizada em encontros coletivos e individuais e subdividiu-se em três momentos principais. No primeiro momento, foi acompanhada uma prática profissional em psicologia; no segundo, foram feitas observações do movimento social de homens trans e LGBT; no terceiro, envolveu a participação voluntária de seis transexuais (trans binários e não-binários) em encontros de entrevistas nas modalidades narrativas e episódicas. A análise do dispositivo da transexualidade tem evidenciado como as práticas de si podem se desenvolver em técnicas de autoprodução a partir de resistências às hegemonias cisheteronormativas e ao binarismo de gênero, que são modos de governamentalidade. Com este estudo, foi possível propor uma nova compreensão sobre a relação constituinte entre gênero e processos de subjetivação, situado no âmbito das experiências trans, e, assim, permitiu a tessitura de um saber psicológico na perspectiva da despatologização.