O objetivo desta pesquisa é fazer uma leitura dupla de Jane Eyre (2008), da escritora inglesa Charlotte Brontë (1816-1855) e publicado em 1847, sob a abordagem pós-colonialista, concernente a uma sistematização de reflexões sobre as relações coloniais, a partir da leitura de obras do cânone ocidental. A análise fundamentar-se-á, principalmente, no pensamento de Said (2008; 2011), Ascroft et al. (2010), Bhabha (2010), Fanon (1983), Césaire (1978), Spivak (2010), Foucault (2000; 2009; 2010; 2011) e Derrida (1981; 2002). Deste autor, aproveitaremos seu método da desconstrução, derivado da filosofia platônica, para mostrar que o silêncio e a loucura, no romance de Brontë, acumulam interpretações contrárias, tanto do lugar do colonizador como do colonizado. A proposta, portanto, é ambivalente: primeiro, realizar uma leitura colonialista, dizendo que a loucura de Bertha Mason pode ser uma patologia, e seu silêncio, consequência disso, relacionados à ideologia de superioridade da raça branca sobre a não branca com fundamento na teoria da evolução de Charles Darwin, pregada na Inglaterra vitoriana, época de surgimento da obra; depois, reler os mesmos fatos, levantar contrapontos para essa interpretação, assinalar, agora pela ótica pós-colonialista, que o silêncio e a loucura da jamaicana tanto podem corresponder à política de opressão e repressão coloniais, aliada ao sistema capitalista, quanto podem corresponder a uma manifestação subversiva contra essa política e esse sistema. Ambas as leituras visam a discutir a identidade do subalterno com base em questões de raça e relação colonial, destacando a metáfora do casamento de Bertha Mason com Rochester e a relação da crioula com a branca Jane Eyre, mostrando, de um lado, as estratégias do homem branco para explorar a autóctone e civilizá-la, através do transplante cultural, e, de outro, as estratégias do colonizado para desestruturar essa ordem, para fazer-se ouvir. Um ponto a se destacar é a opção estética da autora, ao dar voz a Jane Eyre, que conta sua história de acordo com discursos de personagens, também, de sua raça, sobretudo, Rochester, enquanto praticamente anula a voz do não branco, pois silencia a personagem Bertha Mason e dá pouco espaço para a fala de Richard Mason. No entanto, esse silêncio apresenta-se de forma ambígua, porque, concomitantemente, ele pode representar o aniquilamento do idioma nativo e a rejeição do idioma metropolitano, e, paralelamente, o destino das duas culturas: a europeia e a não europeia. Diante da multiplicidade de interpretações que o texto possibilita, o lugar de onde o analisaremos será o da aporia, da indecidibilidade, dos interstícios, ou dos entre-lugares, o local do equilíbrio de sentidos, da abertura às diferenças culturais, raciais, religiosas, políticas e econômicas. Portanto, correlata à nossa posição, está a obra em si, devido ao seu caráter duplo, de reunir significados de natureza oposta, porém suplementares, dividindo, simultaneamente, um mesmo espaço.