Todo filme é sempre uma microfísica do poder, em potencial, a ser estudada. Em nossos dias, os
aumentos das produções de horror e de seu público fizeram do cinema de horror uma
“contracultura” dominante, mas ainda sob o efeito negativo do poder e do saber que
desqualificam os discursos, materializados nestes filmes, tornando-os ilegítimos e os exilando
no próprio espaço fílmico, transformado em um lugar próprio para o interdito e demarcado por
certas práticas discursivas juntamente com certos dispositivos de exclusão. Paradoxalmente, os
tipos marginais que aparecem na ordem destas produções ocupam as posições de sujeitos para
exercer o poder no horror e, ao mesmo tempo, reforçam sua marginalidade e a sua objetivação.
Estes aspectos e especificidades, que caracterizam tais produções, de um lado, nos levaram a
identificar as práticas de objetivação que transformam os corpos em sujeitos no horror; de outro,
a demonstrar que estes filmes constituem uma nova tecnologia de controle social dos corpos,
mas o principal objetivo deste estudo é analisar as relações de poder através do antagonismo das
estratégias neste discurso, ou seja, para descobrir o que significa ter um corpo livre, procuramos
investigar o que ocorre com o corpo subjugado em filmes de horror, tomando a
arqueogenealogia de Foucault como base teórica. Esta questão-suposição teria como
desdobramento outra: mas a partir de onde se poderia fazer tal história? Supomos que em
tempos de crises, os filmes de horror têm muito a revelar, por isso optamos por um período
presente bem semelhante daquele em que Foucault foi convidado pelos especialistas da revista
Cahiers du Cinéma a discutir sobre as condições de produções de filmes como Le Chagrin et la
Pitié (1969), Portier de Nuit (1974) e Lacombe Lucien (1974), quando se assistia ao ocaso do
gaullismo e a ascensão de Valéry Giscard d’Estaing, vencedor das presidenciais de 1974, com o
apoio da velha direita de Tardieu e dos petainistas, antigos aliados do Führer Hitler na ocupação
da França, entre 1940 a 1943. Agora, as condições de produção são as que marcam o fim dos
governos socialistas de Mitterrand e Chirac, e a volta, ao poder, da direita com ascensão política
de Nicolas Sarkozy. Em meio à crise econômica da União Europeia, paira no ar o medo
apavorante do risco da chegada da extrema direita ao poder. A presença cada vez maior de
imigrantes também está na ordem de uma nova crise da identidade francesa. Estas são as
condições de produção de À l’interieur, Frontière(s), Martyrs, Ils, La Meute, Captifs e Derrière
les murs, filmes que compõem o nosso corpus. Na parte metodológica, ainda desenvolvemos
três conceitos operacionais: o de dispositivo fílmico de memória, o de verdade e o de
objetivação para lidar com a memória popular,recodificada, nestes filmes e supostamente
percebida, por nós, como um dos principais modos de controle dos corpos do horror; ainda
lançarmos mão da noção de intericonicidade para tratar das imagens que remetem a outras
imagens, mas acabamos percebendo que toda imagem tem em sua ordem a justaposição de
utopias sobre heterotopias. Por isso, resolvemos dar um novo contorno a esta noção, incluindo
os espaços utópicos justapostos aos heterotópicos, sob a influência da discussão feita por
Foucault em o Corpo Utópico e As heterotopias.