Introdução: As fissuras palatinas apresentam uma forte associação com o desenvolvimento da otite média devido às alterações anatômicas da musculatura do palato mole. Observamos que os pacientes com fissura palatina são modelos
reais da disfunção tubária e apresentam ao nascimento, universalmente, otite média. Com base na sua patogênese e seguindo a teoria do continuum, segundo a qual a otite média evolui ao longo de uma série contínua de eventos, das formas mais precoces até a sua cronificação, podemos supor a grande prevalência da bilateralidade dessa doença em pacientes com fissura palatina.
Objetivo: Avaliar as alterações otológicas da orelha contralateral de pacientes com fissura palatina, descrevendo prevalência e algumas correlações desses achados.
Métodos: Estudo transversal, realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Definiu-se orelha contralateral a orelha menos comprometida ou normal. Foram avaliados pacientes com fenda palatina e alterações otológicas ou auditivas, maiores de 7 anos, através da anamese, exame físico, videotoscopia e audiometria.
A análise estatística foi realizada com o programa estatístico PSS 21 e com os testes de Spermann, Wilcoxon, Mann-Whitney, t de Student e qui-quadrado, considerando estatisticamente significativo p>0,05.
Resultados: Foram avaliados 37 pacientes, de idade entre 7,8 e 52,3 anos. A média de idade dos pacientes com alteração na orelha contralateral foi de 15,4 anos. O tipo de fissura labiopalatina mais frequente nesses pacientes foi a unilateral, não havendo lateralidade significativa para a orelha principal. A prevalência das alterações otoscópicas na orelha contralateral dessa população foi de 89,2%, sendo as principais: miringoesclrose (56,7%), retração de pars tensa (37,8%) e retração de pars flaccida (35,1%). Otite média com efusão foi evidenciada em 13,5% dessas orelhas. A correlação entre os achados otoscópicos,agrupados por escores de gravidade, foi forte e significativa (rs: 0,69; p<0,01). A prevalência de alterações audiológicas na orelha contralateral foi de 6,6%. Houve significância estatística (p=0,045) na relação entre as audiometrias da orelha
principal e contralateral. A curva timpanométrica mais prevalente na orelha contralateral foi a tipo A (67,6%), seguida pelo tipo C (19,3%). A miringotomia para de tubo de ventilação foi realizada em 48,6% das orelhas contralaterais. Observamos correlação forte e significativa para a miringotomia para tubo de ventilação (p<0,001) entre as orelhas e para a relação do número de miringotomias para tubo de ventilação realizadas com a menor idade do paciente (rs=-0,49,p=0,002).
Conclusão: Podemos observar a alta prevalência de alterações otológicas na orelha contralateral em pacientes com fissura palatina e alterações otológicas.
Diversas correlações das alterações otológicas das orelhas contralaterais e principais apresentaram-se fortes e significativas, corroborando com a hipótese da bilateralidade e da teoria do continuum, segundo a qual um processo patológico inicial pode evoluir à cronificação.