O carcinoma papilífero da tiroide (CPT) é o subtipo mais prevalente
entre os carcinomas da tiroide, correspondendo a aproximadamente 80% dos
casos. A sua prevalência tem aumentado nos últimos anos, principalmente
devido ao aumento de microcarcinomas papilíferos da tiroide (CPT ≤10 mm,
MCPT). Nas últimas décadas, ficou evidente que alterações genéticas que
levam a ativação da via MAPK (do inglês, Mitogen-Activated Protein Kinase),
uma cascata de sinalização que regula proliferação, diferenciação e
sobrevivência celular, são altamente prevalentes em CPT. Alterações nos
genes que codificam para proteínas desta via perfazem um total de
aproximadamente 70% dos casos de CPT e incluem rearranjos
cromossômicos do tipo RET/PTC ou NTRK, e mutações nos genes RAS ou
BRAF. Além destas alterações, novas fusões envolvendo tirosinas quinases
foram descritas recentemente pelo The Cancer Genome Atlas (TCGA).
Contudo, em uma parcela dos casos de CPTs o evento genético associado a
patogênese (alteração driver) ainda é desconhecido.
Com o objetivo de caracterizar os eventos genéticos associados a
patogênese do CPT na população brasileira, nosso grupo investigou a
prevalência da mutação BRAF V600E em uma casuística de 120 CPTs. Além
da determinação da prevalência dessa alteração (48%; n=58), observamos a
associação com subtipo histológico, características clínico-patológicas
associadas a agressividade e perda da expressão dos genes de captação e
metabolismo do iodo (NIS e TSHR). Estes dados, associados aos reportados
na literatura, sugerem que BRAF V600E é um marcador de pior prognóstico.
Nos trabalhos que deram origem a esta tese, inicialmente
investigamos a prevalência das fusões RET/PTC, que constituem a segunda
alteração genética mais frequente no CPT, bem como avaliamos a expressão
dos genes TPO, PDS e TG. Fusões envolvendo o gene RET (RET/PTC1,
RET/PTC2 e RET/PTC3) foram identificadas em 27% (32/118) dos CPTs.
Não houve associação entre RET/PTC, expressão dos genes associados a
captação e metabolismo de iodo e características clínico-patológicas
associadas a agressividade. De fato, o papel de RET/PTC como marcador de
prognóstico ainda é controverso. Além de NIS, previamente reportado, neste
estudo demonstramos que a mutação BRAF V600E também está associada
com a perda da expressão de TPO. Ainda, identificamos a presença da
mutação no códon 61 de NRAS em 9% (11/118) dos CPTs.
Quando avaliamos as alterações genéticas nos MCPT (n=40), não
encontramos nenhuma associação com características clínico-patológicas
associadas à agressividade, porém verificamos que a mutação BRAF V600E
encontra-se associada a uma expressão diminuída de NIS e TPO. Ainda,
quando dividimos os MCPT em dois subgrupos (<7 mm vs ≥7 mm)
verificamos que os MCPTs ≥7 mm, apresentam maiores taxas de extensão
extra-tiroidiana, metástase para linfonodos e recorrências, e que a diminuição
da expressão de NIS e TPO é muito mais evidente neste grupo. Isto é
provavelmente devido ao acúmulo de MCPTs com BRAF V600E no subgrupo
≥7 mm. Esses dados são similares aos encontrados em tumores maiores do
que 10 mm, mais agressivos, o que sugere que, apesar de MCPTs serem, na
maioria das vezes, clinicamente indolentes, o subgrupo de 7-10 mm com
BRAF V600E poderia ser tratado de maneira semelhante aos CPT
convencionais com BRAF V600E.
Na segunda fase deste estudo, avaliamos a presença das fusões
ETV6-NTRK3, STRN-ALK e AGK-BRAF, eventos recorrentes nos CPTs e
que são capazes de ativar a via MAPK. Também investigamos a presença de
mutação nos genes HRAS e KRAS (códons 12, 13 e 61), e apenas uma das
amostras foi positiva para HRAS (Q61R).
ETV6-NTRK3 foi identificado em 5% (6/116) dos CPTs. ETV6-NTRK3
foi encontrado exclusivamente na variante folicular do CPT (CPTVF), o que
leva a uma prevalência de 16% (6/45) nesta variante. Este dado é
interessante, visto que a maior parte da “dark-matter” é composta por
tumores desta variante. Além disso, investigamos inicialmente se essa
alteração teria alguma associação com a presença de cápsula. ETV6-NTRK3
foi encontrado em ambas as variantes, encapsulada e infiltrativa, em 50%
cada. Como foi recentemente sugerido uma nova nomenclatura para CPTVF
encapsulados sem nenhum tipo de invasão, denominados neoplasia folicular
não-invasiva com características nucleares papilíferas (NIFTP, do inglês Non-
Invasive Follicular Thyroid neoplasia with Papillary-like nuclear features), a
relação entre ETV6-NTRK3 e a variante NIFTP ainda precisa ser melhor
investigada.
STRN-ALK foi identificado em 3% (4/116) dos CPT, e foi encontrado
tanto em CPT clássico como CPTVF. Não foi encontrada associação com
características clinico-patológicas associadas a agressividade.
Não encontramos nenhuma amostra positiva para AGK-BRAF nesta
casuística. Este achado corrobora para a proposição de que AGK-BRAF é
um evento provavelmente associado com CPTs de pacientes pediátricos.
Este screening inicial permitiu identificar que 27% (n=30) das
amostras foram negativas para BRAF V600E (e códons adjacentes), NRAS
Q61, HRAS (códons 12, 13 e 61), KRAS (códons 12, 13 e 61), RET/PTC1,
RET/PTC2, RET/PTC3, ETV6-NTRK3, STRN-ALK e AGK-BRAF.
Nossos dados contribuem para o melhor entendimento da
patogênese do CPT e reúne dados importantes para a utilização das variadas
alterações como marcadores de prognóstico do CPT. Juntamente com outros
artigos já publicados, e artigos que futuramente serão publicados realizados
em várias outras populações, esperamos que estes dados possam contribuir
para estabelecer diretrizes eficientes para o manejo e tratamento dos
pacientes com carcinoma papilífero da tiroide.