A Estratégia Saúde da Família (ESF), política oficial de atenção primária à saúde no Brasil, foi criada como uma tentativa de concretizar os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), substituindo o modelo vigente até então. É a porta preferencial de acesso ao sistema, e, para tanto, deve estar preparada para responder às necessidades de saúde apresentadas às equipes cotidianamente pelos seus usuários. Atua com o acompanhamento programado da população adscrita, mas também deve ter a “porta aberta” para acolher o que não pode ser programado, as eventualidades, os imprevistos: a demanda espontânea.
Este estudo teve como objetivo compreender o trabalho do enfermeiro no atendimento à demanda espontânea (ADE) na ESF. Trata-se de um estudo de caso, construído por meio da abordagem qualitativa. A unidade de análise são 17 enfermeiros que atuam nas 17 Unidades Básicas de Saúde (UBS) com ESF do distrito administrativo Jardim Ângela, no município de São Paulo. As 17 entrevistas semiestruturadas foram realizadas em maio de 2014.
Os resultados descrevem a organização do ADE nas unidades e a forma como os enfermeiros, apontados como principais responsáveis, organizam-se e nele atuam. As dificuldades enfrentadas, a resolutividade e as fontes de prazer/sofrimento são determinadas no significado da atividade para o profissional. A relação com o usuário é marcada por desentendimentos e pela frustração de muitas vezes não ser possível dar uma resposta de acordo com a necessidade e expectativa do mesmo, mas existem atitudes e circunstâncias capazes de tornar esse encontro prazeroso e uma fonte de motivação. Apesar da pouca reflexão sobre sua prática no ADE, os enfermeiros acreditam que ela expressa o retrato do profissional “faz-tudo”, e, que ele é o profissional mais capacitado no serviço para executá-lo. Facilidades, dificuldades e oportunidades de melhoria no ADE foram enumerados. A resolutividade, a humanização, o encontro com o usuário e o ADE na ESF foram abordados com maior profundidade no capítulo discussão.
O estudo nos possibilitou compreender a partir do olhar do enfermeiro como ocorre sua atuação no ADE na ESF, visualizamos o desafio de estar num lugar que teoricamente tem a responsabilidade de acolher todas as queixas apresentadas pelos usuários, dar respostas adequadas e prestar um atendimento integral ao indivíduo, sem a garantia dos requisitos necessários para tanto. Pontuamos a importância de colocar o cuidado com a vida no centro da produção do cuidado em saúde para o alcance das transformações desejadas. Evidenciamos a existência de enfermeiros nas portas das portas do sistema capazes e comprometidos que através da sua atuação já colaboram, mas podem colaborar muito mais para o fortalecimento do SUS, de um SUS que dá certo não apenas para alguns personagens, mas para todos os seus atores, onde a valorização do trabalhador também seja uma prioridade.