O principal objetivo desta tese é discutir os modos de fazer “cultura” e “política” no contexto
da construção de uma política nacional de cultura, promovida ao longo dos governos Lula
(2003-2010) e Dilma (2011-2016). Com foco na atuação da chamada sociedade civil, e tendo
por base uma etnografia que partiu de instâncias de participação vinculadas ao Ministério da
Cultura (quais sejam: o Conselho Nacional de Políticas Culturais, seus colegiados setoriais e
as conferências de cultura), a pesquisa mostra como a construção dessa política apenas foi
possível graças à atuação dos representantes da sociedade civil, que constituíram um dos
principais agentes a demandar e, assim, a disseminar a proposta inicialmente elaborada pelo
MinC. Os fóruns participativos não foram tomados como totalidades a serem esquadrinhadas,
mas como centros de gravitação a partir dos quais acompanhar os trânsitos de alguns
representantes. Sendo nacionais, esses espaços congregavam sujeitos de diferentes estados,
das cinco regiões brasileiras. O trabalho de campo correspondeu, então, a uma etnografia
multi-situada, que seguiu o deslocamento de pessoas que viajavam para atender reuniões que
ocorriam em cidades diversas, cruzando fronteiras entre as esferas da federação, e entre
espaços associados ora ao Estado, ora à cultura. Tendo por inspiração trabalhos atentos às
pragmáticas sociais, e associando referências de dois campos distintos da antropologia (de um
lado, reflexões sobre política, Estado e políticas públicas, provenientes da antropologia da
política; de outro, sobre a eficácia de aspectos formais ou estéticos, contribuição de uma
antropologia da arte e de uma recente antropologia da burocracia), a presente tese analisa um
conjunto extenso e variado de materiais. Foram considerados: o trânsito de pessoas; a
circulação de ideias e modelos relativos à cultura e à política, corporificados em atas,
relatórios, leis, organogramas e outros documentos; as metodologias e os procedimentos
organizacionais utilizados para estruturar uma conferência ou para realizar uma votação; um
conjunto de práticas e elementos oriundos dos universos culturais representados, que se
fizeram presentes nos espaços participativos institucionalizados e que eram percebidos como
uma maneira própria da cultura fazer política. Este trabalho revela, assim, a diversidade de
práticas que constituem as experiências de democracia participativa na cultura, e mostra como
a proliferação de espaços participativos resultou na criação de instâncias e agentes de difusão
de entendimentos e modelos particulares de política cultural e de gestão pública. A tese
permitiu ainda elaborar analiticamente o aparente paradoxo colocado pela existência
concomitante de intensos fluxos (que cruzam, a todo momento, fronteiras) e de imagens
totalizantes do que seja o Estado, a sociedade civil e a cultura brasileira, mostrando como é
justamente através dos trânsitos que sujeitos, coletivos e categorias das políticas culturais se
constituem relacional e simultaneamente.