A busca por novos fármacos têm levado as pesquisas ao encontro dos produtos
naturais que oferecem uma quantidade inimaginável de princípios ativos ainda
desconhecidos. A apicultura moderna é um segmento da agropecuária que fornece
alguns produtos naturais como a própolis, o mel, a cera, a geleia real e a apitoxina,
que vêm sendo alvo de pesquisas devido às diversas atividades biológicas já
apresentadas. A apitoxina (veneno de abelhas) é uma complexa mistura de
substâncias bioativas, entre elas os peptídeos apamina e melitina. O primeiro trata
se da menor neurotoxina conhecida e com apenas 18 aminoácidos em sua
composição representa 2% do peso seco do veneno. Já melitina, composta de 26
aminoácidos, corresponde a 50% do peso seco do veneno e é um conhecido
peptídeo tóxico capaz de causar lise em diversos tipos celulares. Neste sentido, este
estudo objetivou caracterizar estes dois peptídeos quanto à sua citotoxicidade e seu
poder antimicrobiano. Através do ensaio de redução do MTT (3-(4,5 dimetiltiazol-
2yl)-2-5-difenil-2H tetrazolato de bromo) foi possível determinar as concentrações
citotóxicas de melitina para 50% dos cultivos celulares (CC50), que variou de 2,3 a
4,1 µg/mL e a CC90, que variou de 2,7 a 4,7 µg/mL para diferentes linhagens
celulares e, ao expor estas células frente à melitina por diferentes períodos pôde-se
observar que com apenas 5 minutos de exposição, houve queda nas viabilidades
celulares. Já os ensaios de toxicidade realizados em citometria de fluxo demonstram
que, com concentrações de melitina abaixo das consideradas tóxicas pelo ensaio de
redução do MTT, as células já apresentavam sinais de toxicidade da melitina,
alterando os padrões de apoptose e necrose, aumentando a peroxidação das
membranas lipídicas (LPO), assim como a produção intracelular de espécies
reativas ao oxigênio (ROS) e da fragmentação de seu DNA. Por microscopia
confocal foi possível a observação de focos de apoptose e necrose e do aumento da
fluidez das membranas das células proporcional ao aumento da concentração de
melitina em que essas foram expostas. Houve correlação positiva entre LPO e ROS
(r=0,3158, p<0,05), taxa de apoptose (r= 0,4978, p<0,05) e com a funcionalidade
das mitocôndrias (r= 0,3149, p<0,05). LPO parece iniciar os demais eventos de
toxicidade celular avaliados e aumentar a funcionalidade mitocondrial em resposta
ao estresse sofrido pelas células. Sendo assim, a citometria de fluxo e a microscopia
confocal demonstraram eficiência em auxiliar a desvendar os mecanismos de
toxicidade de melitina e se portam como técnicas complementares ao ensaio MTT,
que avalia a viabilidade celular apenas através da funcionalidade mitocondrial.
Quanto à atividade antiviral da melitina, houve a inativação de herpesvírus bovino
tipo 1 (BoHV-1), especialmente na concentração 2µg/ml. Apamina atuandoisoladamente não apresentou poder antiviral, porém quando aliada à melitina,
apresentou efeito antiviral contra o vírus da diarreia viaral bovina (BVDV).
Resultados com padrões semelhantes ocorreram ao analisar o poder virucida das
substâncias, quando melitina inativou BoHV-1 em 2 horas de incubação com este
vírus mas não apresentou ação contra o BVDV, assim como a apamina, mas a
associação potencializou o efeito virucida contra BVDV. Já quanto à atividade
antibacteriana, a concentração inibitória mínima (CIM) e bactericida mínima (CBM)
de melitina foram, respectivamente (em µg/ml), frente a Staphylococcus aureus (6-7
e 32-64), Escherichia coli (40-42,5 e 64-128) e Pseudomonas aeruginosa (65-70 e
64-128). Biofilmes de S. aureus foram mais sensíveis à ação da melitina quanto
comparados aos biofilmes produzidos pelas Gram negativas. Melitina foi capaz de
destruir biofilmes pré-formados pelas três espécies bacterianas estudadas além de
inibir a formação dos biofilmes por estas espécies quando foram previamente
incubadas com melitina em concentrações abaixo da CIM. Os resultados são
promissores quanto à capacidade antimicrobiana das substâncias apresentando
potencial para o desenvolvimento de novos fármacos e/ou sanitizantes e, os
mecanismos de toxicidade avaliados podem auxiliar nesse desenvolvimento.