Estudos relatam que os componentes presentes nos venenos podem variar sob influência de vários fatores como sexo, idade, dieta e distribuição geográfica, todos resultantes do processo adaptativo das serpentes a fatores ambientais.
Considerando que essas variações podem refletir nas características dos envenenamentos humanos e, assim, na eficácia da soroterapia, nosso objetivo neste trabalho foi estudar a variabilidade individual do veneno de Bothrops atrox do Oeste do Pará através de análise comparativa individual do transcriptoma e proteoma das glândulas de veneno e correlacionando essa variabilidade com parâmetros genéticos e ambientais. Para as análises transcriptômica e proteômica, foram coletadas 5 serpentes, 2 de Oriximiná e 3 da Floresta Nacional do Tapajós, margens esquerda e direita do rio Amazonas, respectivamente. Os transcriptomas foram realizados por sequenciamento em Illumina e para a análise proteômica dos venenos, empregamos o método de espectrometria de massas shotgun, onde as sequências foram identificadas usando o banco de dados de toxinas obtido dos transcriptomas das glândulas de veneno das mesmas serpentes. As principais famílias de toxinas encontradas nas glândulas e nos venenos de B. atrox foram metaloproteases (SVMPs), principalmente da classe PIII, lectinas tipo-C (CTLs), fosfolipases A2 (PLA2s) e serinoproteases (SVSPs). Foram identificados 152 transcritos, e destes, 94 tiveram sua expressão detectada nos venenos. A identificação dos transcritos e a tradução das toxinas apresentaram variação entre as regiões de coleta e também entre os indivíduos. Para investigar a influência ambiental na variabilidade, alterações no perfil proteico dos venenos foram avaliadas por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) por meio da sobreposição dos perfis cromatográficos dos venenos de dez serpentes selecionadas de diferentes ambientes, antes e após sua introdução em cativeiro. Nessas análises, observamos que as mudanças no veneno são poucas e principalmente quantitativas. Algumas serpentes não sofreram mudanças no veneno enquanto outras apresentaram alterações evidentes, independente do local de coleta. Procedemos então o estudo de genômica populacional desses espécimes pelo método RADseq (Restriction-site-Associated DNA sequencing). As análises dos dados de RADseq foram feitas pormétodos de clusterização a partir das amostras de tecidos de 44 serpentes coletadas nos diferentes ambientes. As análises revelaram duas populações com diferenciação genética, uma localizada ao norte e outra ao sul do rio Amazonas. Concluindo, foi detectada a variação individual na composição dos venenos que pode estar relacionada a um mecanismo de adaptação da espécie como resposta de plasticidade resultante do processo de seleção natural. Dessa forma, sugerimos que a variabilidade encontrada nos venenos é resultado da composição genética das populações sob influência das condições ambientais, dentre elas a dieta, que contribuem no controle da expressão gênica, podendo sinalizar para modificações na transcrição e tradução de toxinas.