Trata-se de uma interpretação concernente à doutrina do eterno retorno na obra de Friedrich Nietzsche. Duas noções basilares a percorrem: a de homem doente e a de tensão originária. Imputando à tradição filosófica a verve que promove ora a ruptura ora a superação das tensões, firmando-se acima de tudo nos princípios de não-contradição (¬ [α & ¬α]), identidade (α –> α) e terceiro-excluído (α v ¬α), diria Nietzsche que ela desviara-se de sua saúde. O cerne desta problemática diz respeito à oposição dos contraditórios. Apenas em mútua referência eles se nos oferecem, caso contrário se esfacelariam, pois um exige o outro. Um empreendimento de cisão resultaria em uma dicotomia ontológica. Entretanto, tampouco uma ultrapassagem conciliadora se nos apresenta como salutar, pois, assim, os exercícios de ambas as noções se perderiam, dissolvendo-se em uma unidade na qual a diferença é um empenho tardio e não originário. Também aí vigora um aspecto de cisão. Repartição dualista e diluição sintética, em última instância, dizem o mesmo, pois ambas desviam o homem de si próprio. Para Nietzsche, o filosófico, uma vez que verte sadio, atua, simultaneamente, de modo crítico e de modo inaugural, ou seja, diferencia na unidade (destrói) e unifica na diferença (constrói). Isto reflete justamente o conteúdo de seu pensamento, e também sua dificuldade, sua tensão, visto que vai de encontro à configuração lógica do Ocidente. A doutrina do eterno retorno se insere nesta ambiência à medida que é pensada por intermédio da imagética circular, pois, tal como enuncia Heráclito, comum é princípio e fim em periferia de círculo. O ensinamento heraclítico percorre todo o trabalho, dado que o próprio Nietzsche atribui ao efésio a paternidade de sua doutrina. O desdobramento desta articulação desemboca na relação do homem com o tempo, evocando, mediante a noção de instante, a tensão originária entre eternidade e temporalidade. Todo este invólucro se faz visível a partir da ótica de abismo. Leia-se: do sem fundo de toda fundamentação. Tal como diz Zaratustra: o próprio ver não é – ver abismos?
Palavras-chave: Nietzsche, tensão, cisão, eterno retorno, abismo.