Fumantes apresentam pior habilidade de controlar o comportamento – autorregulação –, assim como populações mais desprivilegiadas socioeconomicamente. O presente estudo teve por objetivo determinar se pessoas de menor nível socioeconômico são mais susceptíveis aos efeitos deletérios do tabagismo na autorregulação. Em um estudo de desenho transversal incluindo 80 adultos jovens saudáveis, o desempenho de fumantes (n=40) e não fumantes (n=40) de diferentes contextos socioeconômicos foram comparados em termos de diversas habilidades de autorregulação, tanto quentes, que envolvem a regulação emocional e do comportamento social, quanto frias, relacionadas a atividades com menor saliência socioemocional, como raciocínio lógico. Os domínios de autorregulação aqui testados incluíram inibição, alternância, atualização, habilidade de realizar duas tarefas ao mesmo tempo, planejamento, e acesso à memória de longo prazo (habilidades frias); impulsividade autorreferida, escolha monetária intertemporal e o comportamento de risco (habilidades quentes). Domínios cognitivos relacionados à autorregulação, também estudados, incluíram atenção simples, sustentada e estabilidade do alerta, bem como a capacidade de memória operacional. A abstinência à nicotina e seus efeitos agudos foram controladas, assim como efeitos de sexo, idade, índice de massa corpórea, número de sintomas indicativos de problemas psiquiátricos e anos de escolaridade dos participantes. Independentemente do nível socioeconômico, os fumantes tiveram pior autorregulação quente, isto é, referiram mais impulsividade e apresentaram aversão à espera por recompensas monetárias de forma mais acentuada. A exposição ao cigarro, por meio do número estimado de cigarros fumados, monóxido de carbono exalado, cotinina, e uma medida de dependência à nicotina não mediaram os efeitos do tabagismo sobre a autorregulação. Diferentemente, o nivel socioeconômico, mensurado pela média dos anos de escolaridade dos pais, impactou negativamente somente medidas de autorregulação frias (inibição, alternância, atualização e planejamento), e também esteve relacionado a pior desempenho em capacidade de memória operacional, em conhecimentos gerais e maior instabilidade do alerta. O nível socioeconômico e o tabagismo interagiram somente quanto a lapsos atencionais. A dupla dissociação entre efeitos negativos do tabagismo em funções quentes, e do nível socioeconômico em funções frias, fortalece a perspectiva de que os domínios de autorregulação quentes e frios são conjuntos de habilidades distinguíveis. Esta
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dissociação de efeitos na autorregulação explica a ausência de efeitos negativos somatórios do tabagismo e baixo nível socioeconômico. Ressalta-se que ambos o nível socioeconômico e tabagismo foram negativamente associados a problemas atencionais, e que estes foram independentes dos efeitos na autorregulação. Em suma, tabagismo e nível socioeconômico impactam diferentemente a autorregulação.
Palavras-chave: autorregulação; tabagismo; nível socioeconômico; atenção; funções executivas; impulsividade.