Os estudos referentes à cultura dos fãs vêm crescendo cada vez mais e, embora a noção do que significa ser um “fã” se encontre presente em nossa sociedade há bastante tempo, na maioria das vezes tem uma conotação altamente negativa. A própria indústria do entretenimento costumava desprezar os fãs, considerando-os como pessoas cuja opinião não representava a de outros consumidores. A teoria da cultura participativa (JENKINS, 2009, 2010), porém, afirma que os fãs (fandom) assumiram um papel ativo, influenciando as escolhas das empresas na produção e distribuição de produtos. Dentro das produções realizadas pelos fãs, uma das principais é a fã-tradução. Na fã-tradução, um grupo de voluntários se forma para traduzir e disponibilizar para outros fãs, gratuitamente, obras variadas que ainda não contam com uma tradução oficial. Dessa forma, a obra se torna acessível a leitores que não dominam uma língua estrangeira, ao mesmo tempo em que ocorre certa publicidade do produto, abrindo oportunidades para que receba uma tradução oficial. Pensando no grande número de livros traduzidos de forma amadora pelos fãs, o objetivo deste trabalho é compreender e analisar como funciona a fã-tradução dentro da cultura participativa. A pesquisa possui como corpus a fã-tradução (grupo Shadow Secrets) e a tradução oficial (Editora Rocco/Alexandre D’Elia) do romance distópico Jogos vorazes (The Hunger Games), da estadunidense Suzanne Collins. Do ponto de vista teórico-metodológico, utilizamos a análise interpretativa-descritiva visando a desvelar as possíveis estratégias utilizadas pelos fãs-tradutores no decorrer da tradução, bem como pelo tradutor oficial na tradução oficial. Procedemos ainda com uma análise comparativa entre as duas traduções, no intuito de observar as diferenças mais proeminentes entre elas. O referencial teórico para a análise se encontra nos estudos realizados por Lawrence Venuti (2002, 2004b) sobre as estratégias de domesticação e estrangeirização, e sobre a invisibilidade do tradutor; nas tendências deformadoras na tradução propostas por Antoine Berman (2013) e nas noções de bilinguismo e competência tradutória desenvolvidas por Wolfgang Lörscher (2012). Os resultados mostram que a fã-tradução não segue um modelo de estratégia tradutória em particular, mas escolhe seguir um caminho mais livre se comparada à tradução oficial, optando por se aproximar da estrutura do texto de origem, muitas vezes comprometendo o significado do texto alvo. Foi possível constatar que aos fãs-tradutores falta determinada competência tradutória, presente nos profissionais da área. Essa competência tradutória é esperada dos indivíduos bilíngues, perfil geral dos fãs-tradutores, sendo perpetuada pela crença de que tal indivíduo possui naturalmente a capacidade para traduzir (LÖRSCHER, 2012). Concluímos que os fãs-tradutores possuem menos habilidade que os tradutores oficiais para transferir os diversos sentidos do texto original, sejam eles culturais ou linguísticos, para o texto da língua alvo, chegando, algumas vezes, a induzir confusão nos leitores.