Esta pesquisa resultou da aspiração de entender a relação que os habitantes da cidade do Rio de Janeiro mantinham com a morte e com os mortos no instante em que os surtos epidêmicos irromperam na região, ocasionando metamorfoses na cultura fúnebre. Assim, nosso objetivo é averiguar como o choque dessas pandemias que atingiram esse espaço a partir de 1849, ajudou para a ação transformadora sobre as práticas fúnebres e as ações da população para com a morte e os mortos. As atitudes dos habitantes do Rio de Janeiro quanto à perplexidade do homem diante da morte tinham como eixo central, durante a primeira metade do século XIX, a familiaridade entre vivos e mortos, defina pelos rituais realizados no pós-morte e pelos sepultamentos no interior das igrejas. Esses sepultamentos, característica dos cristãos católicos, permitiam a contiguidade entre vivos e mortos: os familiares que frequentavam as igrejas passavam, sentavam-se e faziam suas orações sobre sepulturas. O abalo das epidemias nas transformações na cultura fúnebre foi substancial. As enfermidades acarretaram alto índice de mortalidade, tornando inexequível o enterramento no interior das igrejas, uma vez que não havia tempo suficiente para a total deterioração dos corpos. Logo, consistiu-se num dos subsídios calcificadores do discurso higienista, que há tempos lutava, sob influência europeia, contra mortórios ad sanctus, com base na prevenção de males e a favor da higienização pública. A partir dessa conjuntura, a cidade do Rio de Janeiro principiou o processo de secularização da morte. Sendo assim, a transferência dos enterramentos para um local afastado é o ponto de partida desta pesquisa. No contexto dessa mudança de local, surgiram questões mais complexas, não restritas ao âmbito do cemitério, mas inseridas na vida das pessoas de um modo geral. Com isto, os administradores da salubridade e da higiene pública assumiram a responsabilidade de estimular a reforma do espaço urbano através de uma grande e recente inovação, os cemitérios públicos. A degradação da salubridade pública da cidade foi o ponto fulcral para irromper os cemitérios. No final do século XIX, os esquifes, os túmulos e a individualização cadavérica surgem por imposição de políticas sanitárias em reverência aos vivos, mais do que por motivos religiosos de respeito aos mortos. Os cemitérios não foram facilmente aceitos pela população, o uso sistemático dos mesmos fora propiciado pela nefasta epidemia de febre amarela que assolou a cidade do Rio de Janeiro a partir de 1849 e que se estendeu por mais alguns anos. Seguindo este diapasão, a presente pesquisa, em seu primeiro capítulo aborda o processo de secularização da morte no Rio de Janeiro oitocentista; a implementação da legislação funerária e a adoção da chamada política de saúde pública; o papel das Ordens na implementação dos primeiros cemitérios e as discussões políticas em torno do tema. No segundo capítulo aborda-se o processo de laicização da morte e da transformação dos costumes fúnebres, traçando um paralelo analítico entre as mudanças ocorridas no Brasil e na Europa; uma análise dos primeiros cemitérios públicos da cidade; as novas formas de culto e de afetividade com os mortos e uma avaliação do quadro da mortalidade no Rio de Janeiro. Por derradeiro, no terceiro capítulo se realiza uma análise sobre a o recenseamento de 1849, a população e o alto índice de mortalidade; a hierarquia social diante da morte; comparativo entre os sepultamentos dos defuntos desprivilegiados em Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.