A lipodistrofia generalizada congênita (LGC) é uma doença rara, com herança autossômica recessiva, cuja característica principal é a perda total ou quase total de tecido adiposo corporal, observada desde os primeiros anos de vida. Devido à ausência de tecido adiposo, ocorrem alterações no metabolismo dos lipídios e carboidratos e depósito ectópico de gordura, principalmente em fígado, músculo esquelético e parede arterial, gerando grave resistência à insulina e diabetes mellitus (DM), dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e aterosclerose prematura. Até este momento, aproximadamente 300 pacientes com LGC foram descritas no mundo e 60 pacientes no Brasil. Mutações em dois genes são responsáveis por 95% dos casos de LGC: o gene AGPAT2, associado com LGC tipo 1 e o gene BSCL2 associado com LGC tipo 2. Alterações do crescimento somático e do desenvolvimento puberal têm sido descritas pontualmente nas crianças acometidas pela síndrome, no entanto, estudos que avaliaram de forma sistematizada esses aspectos não são encontrados na literatura. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever o genótipo, o fenótipo, sua relação, e as características do crescimento somático e desenvolvimento puberal dos portadores de LGC em acompanhamento em um centro de referência do Ceará, Brasil. Trata-se de um estudo transversal, no qual foram incluídos 15 pacientes com LGC. Foi realizada avaliação clínica, antropométrica, exames laboratoriais e de imagem e análise molecular dos genes AGPAT2 e BSCL2. A mediana de idade dos participantes foi 10 anos (1,5 a 31) e 8 (53,3%) eram do sexo feminino. A mediana de idade do diagnóstico de lipodistrofia foi 7,5 meses (1 mês a 27 anos). A maioria tinha história de consanguinidade na família (9 indivíduos, 60,0%) e 20,0% (3) possuíam história familiar de lipodistrofia. Hipertrofia muscular, acanthosis nigricans, hepatomegalia, hérnia umbilical, hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e hipoleptinemia estavam presentes em todos os indivíduos. O estudo molecular foi realizado em 10 pacientes até o momento, sendo encontradas mutações no gene AGPAT2 em 4 (40%) e no gene BSCL2 em 6 (60%) desses. Duas mutações no gene AGPAT2 encontradas não foram descritas até o momento. Lesões ósseas císticas foram observadas em 3 pacientes (75%), nefromegalia em 3 (75%) e esplenomegalia em 2 (50%). Apenas 1 paciente apresentava DM, HAS e hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Entre os 6 pacientes com mutação no gene BSCL2, nefromegalia foi observada em 5 (83,3%), DM foi observado em 4 (66,7%), esplenomegalia em 3 (50%) e HVE em 3 (50%) indivíduos. Todos os pacientes com DM apresentaram esteatose hepática e três apresentaram nefropatia. Observou-se aumento da velocidade de crescimento (VC) no primeiro ano de vida, 31,0 cm/a (27,2-34,0) em comparação à VC de crianças saudáveis (25 cm/a) (p=0,002) e maior frequência de indivíduos com alta estatura (ZALTURA ≥ 2,0) do segundo ao quinto ano de vida nos pacientes com LGC. Não houve comprometimento da estatura final entre os 5 casos que haviam finalizado o crescimento. Os níveis de IGF-1 e IGFBP-3 foram normais em todos os casos. Não houve diferença do padrão de crescimento somático entre os grupos com mutação no AGPAT2 e no BSCL2. Entre os 10 casos que haviam iniciado desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, 4 (40%) apresentaram diagnóstico de puberdade precoce (3 casos BSCL2 e 1 caso AGPAT2). Duas meninas apresentaram telarca precoce isolada (1 caso BSCL2 e 1 caso AGPAT2). Os níveis de LH, FSH e andrógenos encontraram-se em níveis pré-puberais em todos esses pacientes. Em conclusão, nesta casuística, foram encontradas mutações nos genes AGPAT2 e BSCL2, sendo as últimas as mais prevalentes. Foram identificadas 2 novas mutações ainda não descritas previamente. Além de achados clínicos classicamente descritos na doença, observou-se elevada prevalência de nefromegalia, manifestação raramente descrita em outras casuísticas. As crianças com LGC apresentaram velocidade de crescimento aumentada no 1º ano de vida em ambos os sexos, com alta estatura (ZALTURA ≥ 2,0) do 2º ao 5º ano de vida, mas sem comprometimento da estatura final. Lipoatrofia em áreas de tecido adiposo de função mecânica, como palmas das mãos e solas dos pés, foi um achado clínico com elevada especificidade para a identificação dessa forma. Resistência à insulina e DM em idade mais precoce, assim como anormalidades cardíacas, principalmente hipertrofia concêntrica do VE de grau leve, foram mais prevalentes em comparação com os AGPAT2 mutantes. Nos portadores da mutação no gene AGPAT2 (LGC tipo 1), as lesões císticas ósseas em ossos longos ao exame radiográfico e a presença de tecido adiposo em palmas das mãos e solas dos pés foram achados clínicos de elevada especificidade (não encontradas nos LGC tipo 2).