A proposta central desta tese é mapear o funcionamento da rede brasileira de instituições de
accountability – como as instituições se articulam para controlar e responsabilizar os casos de
corrupção que chegam até elas – com atenção especialmente voltada para as instituições que
estariam no centro de uma agenda anticorrupção, englobando Ministério Público Federal,
Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas da União, Justiça Federal e
Ministérios. Na literatura, o argumento mais disseminado é o de que, apesar do
aprimoramento institucional recente, o resultado final dessa rede em termos de interações e de
coordenação seria fraco. Para averiguar a situação atual deste resultado, submetemos as
interações a um teste: o Programa de Fiscalizações a Partir de Sorteios Públicos da CGU, no
qual esta audita os recursos federais transferidos para os governos locais. Dado que este
programa traz as irregularidades a público, será que são estabelecidos processos de
investigação e de julgamento nas outras instituições que compõem a rede? Observa-se como
as atividades de controle fluem entre as instituições até chegar ao Poder Judiciário e se tornar
uma ação que vise à sanção. O mapeamento proposto objetiva contar duas histórias. A
primeira descreve se e como essas instituições interagem a partir do programa de sorteios,
acompanhando ao longo do tempo a trajetória das irregularidades – em uma perspectiva
longitudinal – e, além disso, recorrendo a entrevistas semi-estruturadas com pessoas-chave
das instituições estudadas. Na segunda história são explorados os possíveis mecanismos
causais envolvidos tanto no momento prévio das interações (como os fatores que impactam o
estabelecimento das mesmas) quanto no momento posterior (como as interações afetam a
rapidez com que as irregularidades são processadas). Em ambas histórias, predomina a lógica
da mistura de métodos, trazendo a estatística e o process-tracing de forma imbricada.
Concluímos que a rede consegue se coordenar e articular para controlar e responsabilizar as
irregularidades encontradas, mas não de uma forma homogênea entre todas as instituições.
Pelas inferências descritivas quantitativas, encontramos inúmeros processos investigativos
abertos pelo MPF, alguns pelos Ministérios e poucos pelo TCU, com este último um pouco
mais ativo em agir contra corrupção. A fase das investigações predomina, com poucos
processos chegando à Justiça e esta apresenta um processamento lento. Do ponto de vista
qualitativo, as interações ressaltadas se dão principalmente entre MPF e CGU e entre esta e a
PF. O TCU é retratado enquanto uma instituição afastada, que se volta para as interações com
instituições locais e promoção da governança. Por último, nas inferências causais, os testes
apontam que a corrupção pode até ser importante na decisão de agir das instituições – resultado das regressões logísticas – mas não é tão importante a ponto de agilizar o andamento
dos processos e, quando tem um impacto significativo, leva a processos mais lentos –
resultado da análise de sobrevivência. Ainda, as interações são fundamentais para agilizar a
chegada dos processos na fase final da accountability, mas não contribuem para
sentenciamentos mais rápidos. A perspectiva teórica reforça que, ao conseguir manter os
governantes accountables pelas suas ações, conseguindo responsabilizá-los pelas exclusões
que provocam (como a corrupção), as instituições da rede cumpririam um papel de reforço à
democracia e sua condição inclusiva básica.