O Projeto Genoma Humano possibilitou o sequenciamento do genoma e o
conhecimento da localização, identificação e funções desenvolvidas pelos genes.
Essa compreensão da formação de características e a viabilidade de influenciá-las
possibilitou o surgimento de tecnologias reprodutivas, sendo analisado no presente
trabalho a manipulação genética. A possibilidade de intervir no genoma humano para
impedir doenças e também para ampliar aptidões ensejou discussões sobre a
necessidade de sua limitação. Existem uma série de convenções e leis, inclusive
penais, que passaram a tutelar o tema, geralmente pretendendo distinguir a
manipulação de acordo com seus propósitos, terapêutico ou de melhoramento,
limitando seu uso ao tratamento. Não vislumbramos fundamentos jurídicos para impor
tal restrição. As técnicas utilizadas para alterar o genoma são praticamente idênticas
independentemente de seus propósitos, e também os riscos serão os mesmos.
Contudo, qualquer manipulação só deve ocorrer após atestada a segurança de seus
procedimentos, sendo necessário ainda mais cautela nas alterações realizadas nas
células germinais, transmissíveis às futuras gerações. Aspectos religiosos e
preocupações em alterar uma suposta natureza humana ou presunções de um futuro
devastador, muito em decorrência das retratações catastróficas presentes em nossa
literatura, não podem ser considerados para promover limitações jurídicas,
principalmente penais. Além disso, é preciso dissociar eugenia e nazismo. O problema
das campanhas eugênicas realizadas no início do século XX não foi a busca por
nascimentos saudáveis ou pelo aprimoramento, finalidades presentes em diversas
atitudes em nossa rotina. Mas ter sido utilizada para disseminar discursos raciais e
discriminatórios, pela crença na biologia como solução de todos os males, inclusive
sociais, e, principalmente, ter sido imposta pelo Estado, restringindo liberdades
individuais. A grande diferença da eugenia atual, exercida pela intervenção no
genoma, seria seu uso como fruto da liberdade individual e pluralismo. Concepções
particulares dos pais em relação ao que seja uma boa vida é que guiariam suas
escolhas, tanto na decisão de intervir geneticamente quanto no tipo de manipulação
pretendida, independentemente de seu propósito e livres de coação estatal ou social.
O Estado deve ser constitucionalmente proibido de intervir positivamente, assim como
também a sociedade deve ser impedida de fazer publicidade para as características
que julgar adequadas. Mas esta liberdade é limitada pela proteção de dois bens
jurídicos, a igualdade e a integridade física e psíquica do futuro ser. Será penalmente
proibida qualquer intervenção que sem influenciar características patológicas, visar a
seleção de atributos que digam respeito à raça, cor, etnia, gênero, sexo, orientação
sexual e identidade de gênero; ou provocar uma deficiência. Adotamos um modelo
biopsicossocial e normativo de deficiência, não bastando que as funções físicas ou
psicológicas normais da espécie estejam limitadas, sendo necessário que provoquem
redução de bem-estar, por motivos sociais ou outros. Estabelecemos uma definição
mais ampla de tratamento, considerando não apenas as intervenções necessárias
para tratar uma deficiência, mas também que visem reforçar o corpo humano evitando
seu surgimento. Reconhecemos a manipulação genética como um direito
fundamental, decorrente do livre planejamento familiar e do direito à saúde. As
manipulações genéticas devem ter acesso gratuito garantido pelo Estado.