Propusemo-nos neste trabalho dissertativo a investigar o processo de transformação da personagem Maria Moura, do romance Memorial de Maria Moura (2007) de Rachel de Queiroz, observando as mudanças pelas quais ela passou, desde a infância até chegar à vida adulta, sua trajetória, de sinhazinha inocente até transformar-se em um símbolo de resistência, de força e poder. Para isso enfatizamos três momentos importantes de sua vida: a infância de submissão; a vida adulta, quando ela subverte a ordem e conquista a liberdade e o momento da sua paixão por Cirino, que leva a renúncia do seu poder, para um posterior retorno triunfal. Para tanto, buscamos na discussão das categorias de personagem, identidade e feminino, as bases para conduzir as reflexões aqui pretendidas,
tomando sempre como ponto de partida, a obra de Rachel de Queiroz. Esta, adepta de uma escrita simbolicamente representativa do Nordeste brasileiro, e fortemente marcada pelo regionalismo, pela caracterização natural, social e coletiva da região nordestina, transita por esse espaço de vivências e toma suas experiências como
referência para registrar, como testemunho ocular, os dramas da sua gente, do nordestino migrante e, principalmente, da mulher na luta pela sobrevivência, pela emancipação e reivindicação de seu espaço. Assim, suas obras são painéis representativos das figuras humanas marginalizadas e escravizadas pelas condições hostis do ambiente natural e das opressões dos mais fortes, destacando as transgressões das personagens femininas, a tomada de posição das mulheres, as quais possuem voz e nuanças significativas na busca de afirmação do seu papel,
pois fogem do estereótipo da mulher como sexo frágil. Seguindo este princípio, Maria Moura é a mulher que ignorou sua condição feminina e lutou contra seus primos para defender suas terras, seu nome e sua honra. Sua condição de mulher independente tornou-se símbolo da transgressão e da liberdade, e mesmo vivendo em um contexto de lutas e assumindo um comportamento tipicamente masculino ela não perde a feminilidade. Enfim, Maria Moura cumpre sua saga de mulher guerreira: padece a subordinação da infância, desfruta a liberdade da emancipação, declina
diante do amor de Cirino, porém renuncia a esse amor em nome do seu poder.