A língua humana foi primeiramente descrita por Andreas Vesalius, o “Pai da
Anatomia Moderna”, no livro De humani corporis Fabrica em 1543. Contudo, as
papilas do dorso da língua eram desconhecidas até então. Estas foram descritas e
classificadas nos seus três tipos básicos de acordo com o tamanho em papilas de
1ª, 2ª e 3ª ordens somente após o advento do microscópio, por Marcello Malpighi em
1665. A partir daí, os padrões morfológicos das papilas variaram de acordo com a
descrição de diferentes autores até alcançar os quatro tipos conhecidos até os dias
de hoje, sendo elas: fungiformes, filiformes, folhadas e circunvaladas, sendo estas
últimas o objeto de estudo do presente trabalho. Sugeridas primeiramente como
tema de investigação para Alfonso Bovero (1871- 1937) – fundador da Escola
Anatômica de São Paulo – pelo seu mentor Carlo Giacomini (1840-1898), Bovero
criou um acervo na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP)
com mais de 800 línguas humanas obtidas de indivíduos masculinos e femininos, de
diferentes idades e etnias. Em seu trabalho preliminar sobre o tema, publicado em
1936, ele descreveu o elevado grau de polimorfismo das papilas, agrupando-as a
outros “instrumentos de função” como o encéfalo e as mãos humanas que, como
órgãos da vida de relação, se caracterizam pela extrema complexidade morfológica.
Com a sua morte em 1937, a pesquisa foi interrompida e do acervo inicial restaram
327 espécimes. O presente trabalho resgatou esse material a fim de avaliar com
metodologias atuais a morfologia das papilas, levando em consideração a hipótese
de individualidade lingual postulada inicialmente por Bovero, de que não existem
duas línguas idênticas, nem mesmo nos antímeros de uma mesma língua. Para
identificar os padrões estruturais e de possível singularidade das papilas –
disposição, número, área papilar, presença ou ausência de orla e formas tanto da
própria papila quanto da sua orla – foram utilizadas as técnicas de Morfometria,
Mesoscopia, e Microscopias de Luz e Eletrônica de Varredura. Os resultados
demonstram que no geral as línguas estão sobre 4 formas (circuliformes,
trianguliformes, fusiformes e retanguliformes), as PCVs estão dispostas
principalmente em forma de ”Y” e “V” linguais; elas podem ser verdadeiras ou falsas;
algumas papilas apresentaram a mesma área, porém com morfologia diferente.
Além disso, houve variação na textura dos componentes das PCVs. A combinação
das variáveis estudadas (papilas, orlas, valo, poros gustatórios e histologia)
confirmam a hipótese de unicidade glótica. Dessa forma, os remanescentes do
acervo com um século de existência foram aproveitados, demonstrando viabilidade
para o estudo anatômico e valorizando os experimentos iniciais do fundador da
Escola Boveriana de Anatomia.