Alterações metabólicas são comuns em pacientes com transtorno bipolar (TB), incluindo
uma alta prevalência de diabetes mellitus e síndrome metabólica nessa população. Já foi
demonstrado que diversos sistemas biológicos relacionados ao metabolismo energético estão
alterados no TB, mas a fisiopatologia das alterações metabólicas nesse transtorno continua
largamente desconhecida. Teorias recentes postulam que o cérebro prioriza seu próprio
suprimento de energia, modulando o metabolismo periférico através de regulação da alocação e
ingestão de nutrientes (teoria do “cérebro egoísta”). Os estudos que compõem esta tese
basearam-se na hipótese de que as alterações metabólicas observadas no TB são resultado de
uma regulação ineficiente do suprimento energético cerebral e de suas respostas compensatórias.
O objetivo foi investigar a relação entre metabolismo energético e características clínicas e
biológicas do TB ao longo da evolução da doença. Para isso foi realizado um estudo de casocontrole
comparando-se 3 grupos: 30 pacientes portadores de TB em estágios iniciais (definido
com menos de 5 episódios de mania ou depressão), 30 portadores de TB em estágios tardios
(definido com mais de 5 episódios de mania ou depressão) e 30 voluntários saudáveis. Todos os
sujeitos foram submetidos à entrevista psiquiátrica padronizada e à coleta de sangue para análise
de marcadores de metabolismo da glicose, estresse oxidativo, resposta ao estresse, lipídios e
hormônios regulatórios. Os resultados demonstram que a presença de comorbidades metabólicas
modera aspectos clínicos e biológicos da doença. Pacientes nos estágios tardios do TB
apresentaram uma prevalência maior de comorbidades metabólicas, quando comparados a
pacientes em estágios iniciais e controles saudáveis. De maneira convergente, a presença de
alterações metabólicas (p. ex. resistência à insulina e dislipidemia), está associada a um curso
desfavorável do TB, caracterizado por um maior número de episódios pregressos de mania ou
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depressão e um pior funcionamento psicossocial. Além disso, os estágios do TB e a presença de
alterações no metabolismo da glicose impactaram os níveis de atividade das enzimas
antioxidantes glutationa peroxidase e superóxido dismutase. Finalmente, também foi
documentado que, nos pacientes com TB, alterações globais do metabolismo energético, como
anormalidades no metabolismo da glicose, em níveis de leptina e na atividade de enzimas
antioxidantes estavam associadas à ativação do sistema de resposta ao estresse, avaliado através
da dosagem do biomarcador copeptina. Todos os resultados descritos foram independentes de
fatores de confusão chaves, como características sócio-demográficas, presença de tabagismo e
uso de medicações psicotrópicas. Em conclusão, o TB não apenas está frequentemente associado
às comorbidades metabólicas, mas estas também afetam múltiplas dimensões da doença, como
demonstrado pelos resultados dos estudos que compõem esta tese. As diferenças de curso,
funcionamento psicossocial e substratos fisiopatológicos observadas entre pacientes com TB nos
estágios tardios e iniciais, assim como entre pacientes e controles saudáveis, indicam que
sistemas metabólicos estão, de fato, envolvidos de forma proeminente na fisiopatologia do TB e
são, portanto, alvos promissores para o desenvolvimento de futuras investigações clínicas e
terapêuticas.